Há mais de um ano, a Tractor Parts, empresa do delator da Operação Sodoma, recebe benefícios fiscais do governo do Estado de Mato Grosso.
Desde 31 de janeiro de 2018 a empresa de João Batista Rosa, sediada em Várzea Grande, consegue importar mais de 220 peças para tratores e caminhões pagando pouco imposto.
Rosa foi o responsável pelos primeiros depoimentos que desencadearam a Operação Sodoma. Durante o processo, ele passou de investigado para delator e depois para vítima de um esquema criminoso. Ele disse ao Ministério Público do Estado (MPE) ter pago R$ 2,5 milhões em propina à quadrilha do ex-governador Silval Barbosa para manter o Grupo Tractor Parts no Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial de Mato Grosso (Prodeic), maior programa de incentivos fiscais do Estado.
Em fevereiro de 2016, cerca de um ano depois de estourar a operação, a empresa saiu do Prodeic. Dois anos depois, em 2018, recebeu o novo benefício, que permitia redução no pagamento de ICMS em produtos importados pelo Porto Seco de Cuiabá.
A concessão do incentivo passou despercebida em publicação no Diário Oficial e não chegou a ser divulgada na imprensa na época. Dados do Porto Seco de Cuiabá mostram que com a ajuda do ‘diferimento’ a Tractor Parts já importou R$ 1.009 milhão em peças automotivas. Deste total, a empresa pagou R$ 131,2 mil de ICMS. Se fosse pagar o ICMS sem este instrumento fiscal o valor chegaria a quase o dobro.
O benefício fiscal é regulamentado pelo Decreto nº 250, de 16 de setembro de 2015, em que o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) é postergado na importação de mercadorias no Porto Seco de Cuiabá.
Funciona da seguinte forma: a Tractor Parts importa uma peça de caminhão ou trator e paga 13% sobre o valor da importação e não 17% sobre o valor da revenda, como ocorre para aqueles que não são beneficiados com o diferimento do ICMS no setor de autopeças.
Segundo Francisco Almeida, presidente do Porto Seco, todos os que importam por lá recebem este tipo de benefício tributário. Outras empresas do setor, como a West Máquina, também recebe o mesmo tipo de proveito na importação.
Ao contrário do Prodeic, em que a Tractor Parts não pagava imposto, o diferimento não permite o não pagamento de ICMS. A vantagem é que, ao quitar o tributo sobre o valor de compra da importação, o empresário pagará menos do que se pagaria em imposto sobre o valor da revenda, sem contar que ele tem um longo prazo para pagar o tributo antes da mercadoria sair do porto.
Prodeic
A saída da Tractor Parts do Prodeic foi feita de forma voluntária, em 3 de fevereiro de 2016. Normalmente, empresas abandonam o programa porque para participar é preciso abrir mão de outros benefícios fiscais que poderiam ser mais interessantes financeiramente.
Outra vantagem é que com o diferimento a empresa pode pagar menos imposto sem ter que montar um programa com justificativas de geração de emprego e renda, como ocorre no Prodeic. Dados da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (Sedec) mostram que a Tractor Parts tinha mais de 225 empregados diretos até agosto de 2015. Uma avaliação feita pela própria Sedec mostrou que o custo do ICMS incentivado no Prodeic, por exemplo, foi de R$ 1,7 bilhão para o governo do Estado em 2015.
No passado, os incentivos também contribuíram para que o Grupo Tractor Parts evoluísse financeiramente. O custo-benefício do pagamento da propina se justifica: ao pagar mais de R$ 2 milhões em vantagem indevida, o empresário conseguiu um lucro anual de R$ 9 milhões e um faturamento bruto de R$ 50 milhões, segundo o próprio João Batista declarou em depoimento no dia 17 de agosto de 2016. Ele contou que recebeu os incentivos de 2011 a 2015.
O caminho da propina
Na época, Rosa disse ter pago R$ 83 mil em dinheiro e R$ 30 mil em cheques mensalmente para o ex-secretário Pedro Nadaf e o restante do grupo criminoso. Contou que fez isso porque os incentivos não foram renovados pela Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz) em 2010 e, após tentar reaver o caso administrativamente, decidiu falar com o governador Silval Barbosa. Foi então que Silval o encaminhou a Nadaf.
“Achei que era algo em torno de R$ 60 mil, mas o Nadaf me disse que precisavam de R$ 2 milhões. Quando disse que achei o valor alto, ele me disse que ‘se o governo o estava ajudando, ele precisava ajudar o governo’. Eu entendi como uma ameaça, que se eu não pagasse perderia os benefícios”, afirmou Rosa durante o depoimento.
A exemplo do que foi feito com Willians Mischur, a promotora Ana Cristina Bardusco e a juíza Selma Rosane Arruda concordaram em arquivar o inquérito aberto contra o empresário e torná-lo simplesmente vítima do caso, apesar dele ter aceito pagar propina. Rosa alega que firmou delação porque teria sido ‘extorquido’ pelo grupo de Silval.
‘Coagido’
Ao pedir o arquivamento de inquérito contra o dono da Tractor Parts a promotora Ana Cristina Bardusco ressaltou que o empresário foi ‘coagido’ pela quadrilha liderada por Silval. ‘A conduta de João Batista não buscava a prática de lavagem de dinheiro. Em verdade, o empresário sucumbiu às exigências da organização criminosa’, escreveu a promotora no pedido de arquivamento.
Mesmo com os benefícios fiscais, a Tractor Parts chegou a dever impostos ao governo. Até abril deste ano, quando o débito foi pago, a empresa tinha uma dívida de R$ 248,8 mil em tributos, motivo pelo qual era alvo de execução fiscal. O débito foi parcelado e o processo foi arquivado.
Outro Lado
A reportagem do jornal A Gazeta procurou o empresário João Batista Rosa para ouvir a posição do ex-delator sobre o caso, mas fomos informados de que Rosa não poderia conceder entrevista porque está em viagem internacional.
Passo adiante, a marca própria
Em crescimento, a empresa de Rosa apostou na captação de produtos no mercado internacional e na constituição de uma marca própria, a JR&S, para atender à demanda interna por peças e engrenagens. “Fomos para a China, Índia, Turquia, Espanha e conseguimos, inicialmente, desenvolver cerca de 200 itens com nossa marca. Crescemos ainda mais com nosso portfólio e hoje já temos aproximadamente 600 itens com a marca JR&S, todos produtos de altíssima qualidade”, relata Rosa em vídeo institucional. O Grupo Tractor Parts tem 13 lojas nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia e Goiás.
Chico Ferreira
À época, a juíza Selma Arruda acolheu pedido do MPE e considerou o empresário como vítima
Culpados e livres
Seis pessoas do alto escalão do governo Silval Barbosa foram denunciadas por conta da delação de João Batista Rosa e todas estão livres. A maior parte saiu da cadeia entre 2015 e 2017 por decisão da juíza Selma Arruda.
Entre os ‘homens livres’ está o próprio Silval, que ficou preso de setembro de 2015 a junho de 2017, quando teve prisão domiciliar decretada pela juíza. Ele havia assinado acordo de delação premiada.
Quem também fez delação foi o ex-secretário Pedro Nadaf, onde narrou a ocorrência de 48 crimes cometidos pelo grupo criminoso. Depois de ficar preso desde setembro de 2015, Nadaf foi solto em setembro de 2016.
O ex-secretário Marcel Cursi, também citado na delação de Rosa, ficou um ano e 10 meses preso e saiu em julho de 2017. Ao contrário dos outros réus Cursi não confessou os crimes e foi solto não por Selma, mas por decisão de desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT).