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A caça ao jovem negro

Se você é pai de um menino negro, você não dorme tranquilo no Brasil. Estamos em fevereiro e a temporada de caça ao jovem negro já começou, de Norte a Sul do país.

Não. Não estou exagerando. Quem exagera são os bárbaros assassinos. Os números da violência oficialmente registrada são impressionantes.

Esta semana, o noticiário internacional registrou com horror o assassinato de 17 jovens em uma escola na Flórida. Inúmeros chefes de Estado enviaram condolências. No Brasil, em 2014, foram assassinados 29.813 negros, 81 por dia, um a cada 19 minutos.

A cada 5 horas, todos os dias da semana, todos os meses do ano, há um massacre de negros no Brasil com o mesmo número de mortos da tragédia na Flórida. Alguém envia condolências?

Lá, o responsável foi um maníaco fortemente armado. E aqui? Quem são os responsáveis?

Alguém há de dizer: a culpa é dos governantes, elitistas e que odeiam pobres. Então por que, no período entre 2003 a 2014, quando estavam no poder outros governantes, houve queda de 26,1% dos homicídios na população branca e aumento de 46,9% das vítimas negras?

Alguém há de dizer: somos um povo pacífico e cordial. Não é bem assim. No Brasil, temos mais vítimas de homicídios que os mortos da guerra civil síria. Em 2012, nossa taxa de homicídios por arma de fogo foi de 20,7 por 100 mil habitantes, quatro vezes maior que no Paraguai (5,0), oito vezes maior que no Uruguai e na Argentina (2,6 e 2,5, respectivamente) e doze vezes maior que no Chile (1,7).

Alguém há de dizer: você extrapola quando fala em caça ao jovem negro. Será? Em 2013, em todo o continente africano, foram abatidos 663 leões, sendo 49 no Zimbabwe. Foram caçados 1.028 rinocerontes em 2017; ursos foram 67 em 2011; e tigres foram 37 em 2017.

Elefantes, mais valorizados por causa das presas de marfim, são mortos cerca de 50 por dia na África e na Ásia. Em resumo: no Brasil, a cada ano, matamos mais jovens negros do que todos os caçadores do mundo, somando leões, tigres, rinocerontes, ursos e elefantes. Nas savanas e florestas, os caçadores abatem seus alvos por cobiça ou divertimento. E aqui, em nossas cidades?

Alguém há de dizer: não há racismo na violência, pois jovens brancos e até brancos idosos também são assassinados. Sim, também são. Mas no Brasil o risco de um jovem negro ser morto a bala é três vezes maior que o de um jovem branco.

Em Alagoas, é doze vezes maior! Além disso, 94% das vítimas de homicídios por armas de fogo são do sexo masculino, 70% são negras e 60% têm entre 15 e 29 anos.

Somente em janeiro de 2018, na Cidade Maravilhosa, 48 negros foram mortos em confrontos envolvendo a polícia e apenas 4 brancos. Simples coincidência? Parece que em nosso país até as “balas perdidas” ostentam uma estranha preferência monocromática pela cor negra.

O número de homicídio de jovens negros choca, mas é apenas a face mais sangrenta da violência maciça, contínua, devastadora, muitas vezes silenciosa e dissimulada, do racismo nosso de cada dia.

Enquanto as vítimas aumentam, cresce também o discurso protofascista do medo e do ódio, que faz a apologia da pena de morte e do armamentismo, ridiculariza os direitos humanos, reivindica mais repressão, justifica abusos e torturas e beatifica grupos de extermínio.

Por tudo isso, os pais de meninos negros não dormem tranquilos no Brasil. Sabem que em poucos anos os seus filhos pequenos serão adolescentes e naturalmente irão sozinhos ou com amigos a escola, trabalho, festas, shows ou jogos de futebol e, apenas pela coloração de sua pele, ante qualquer incidente sempre serão vistos como suspeitos por excelência e alvos preferenciais da violência descontrolada de nossa sociedade.

Será que no prazo de uma década conseguiremos vencer o racismo e encerrar essa caça vergonhosa e criminosa? Rezo e luto para isso todos os dias. É tempo de um basta!

Observação: dados utilizados são oficiais e constam do Mapa da Violência – FLACSO 2016, do Atlas da Violência – IPEA 2017 e do Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência SNJ/UNESCO 2017.

LUIZ HENRIQUE LIMA é Conselheiro Substituto do TCE-MT.


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