“Quem morre em Cuiabá, morre para sempre”. Mais ou menos assim, se referiu Estevão de Mendonça à peculiaridade cuiabana de esquecer seus vultos, os quais além de morrerem de corpo morriam pelo esquecimento.
E ainda morrem. Mais que morto, o finado é esquecido na memória de seus conterrâneos, “mortinho da silva”.
Confirmando o pai de Rubens de Mendonça, a Prefeitura de Cuiabá emplacou um retumbante “Joaquim Mortinho” na sinalização oficial da rua que homenageia o grande estadista brasileiro Joaquim Murtinho.
O erro foi reconhecido e a placa corrigida, não sem antes deixar registrada em fotos e redes sociais as digitais de nossa atual ignorância histórico-cultural, que aumenta assustadoramente a cada dia. Logo a terra de Dom Aquino…
No próximo 7 de dezembro, caberia uma homenagem mais digna ao grande cuiabano nascido nesse dia em 1848. Um desagravo talvez.
Foi engenheiro civil e médico homeopata, professor da Escola Politécnica, deputado federal, senador, ministro da Viação e da Fazenda.
Para Rubens de Mendonça, foi o maior estadista e financista brasileiro da primeira república. Muitos só o conhecem em nome de escolas ou ruas, aqui (?), no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Campo Grande, ou como nome de cidades em Mato Grosso do Sul e Minas Gerais.
Seu prestígio era tal que uma vez Dom Pedro II, Imperador do Brasil, um dos governantes brasileiros mais cultos, assistindo a uma palestra dele sobre homeopatia quis questioná-lo, recebendo a sugestão de que quando “tivesse ímpetos de assistir a uma defesa de tese que Sua Majestade não entenda, deixe-se ficar em casa e leia uma página de Spencer”.
Mudaram os tempos e mudaram muito as relações de respeito entre a autoridade política e a autoridade técnica.
Hoje, qualquer político ou preposto de quinto escalão ou menos acha que pode ignorar o especialista propondo ele próprio sobre questões técnicas que não entende, como na questão urbana. Imagine se não fossemos uma República e ainda tivéssemos imperadores.
Felizmente, ainda existem os bons técnicos, como Murtinho, convictos da importância de sua responsabilidade técnica e social.
Pioneiro da homeopatia no Brasil foi, porém, como Ministro da Fazenda que Murtinho ficou na história.
Lembro Joelmir Betting em artigo de 1984 na Folha de São Paulo: “O saneamento da moeda nacional começou com a presença mágica do ministro Joaquim Murtinho (a partir de 1899). Murtinho só não é apostila nas escolas de economia do mundo ocidental porque nasceu no Brasil, teorizou no Brasil, e não em algum reduto da aristocracia acadêmica nos dois lados do Atlântico Norte.”
Diz mais: “Mal empossado no cargo de chanceler do Tesouro, que ele chamava de “monarca dos entulhos”, Joaquim Murtinho disparou um vigoroso “pacote” econômico, politicamente atrevido: a palavra de ordem era a de acabar, em rito sumário, com a especulação financeira do setor bancário”, e segue, “Murtinho entendia que o Brasil da virada do século não podia tolerar uma economia meramente escritural, era preciso promover o refluxo da poupança nacional do mercado de papéis e de divisas para o mercado de produtos e de serviços.”
A inflação foi quase a zero gerando o “pânico bancário” de 1900, com o sistema financeiro “experimentando uma quebradeira em cascata”, diz Betting.
Aprendi com meu pai, que foi bancário orgulhoso em sê-lo, a reconhecer o valor dos bancos, mas, amargando seus juros, portas giratórias, e o número crescente de taxas exorbitantes, concluo esta homenagem ainda com Betting: “O “czar” Murtinho lavou as mãos enluvadas: que se quebrem todas as casas bancárias, desde que se salvem todas as fábricas, empórios e fazendas…”.
Dá para esquecer?
JOSÉ ANTONIO LEMOS DOS SANTOS, arquiteto e urbanista, é membro do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Mato Grosso e professor universitário em Cuiabá.