Embora não seja seguidor do catolicismo (nem de outra religião qualquer) tenho grande simpatia pelo papa Francisco. Parece-me uma pessoa boa, serena e afável.
Sua expressão de bondade e o olhar manso contagia-me, transmitem uma boa sensação de tranquilidade. Além disso, ele vem enfrentando sem rompantes, diversos e anacrônicos tabus da Igreja, como a homossexualidade, o divórcio e a posição da mulher na hierarquia eclesiástica.
Observando sua humildade,fico pensando que ele deve sentir-se constrangido com o tratamento que as pessoas dão ao sumos-pontífices,usando o pronome de tratamento “Sua Santidade”.
Nossa origem latina impôs-nos a mania de reverência exagerada às autoridades, como forma de estabelecer um abismo entre o povo humilde e os mandatários de qualquer área: política, religião, forças armadas, justiça, escolas. Tratamentos respeitosos devem sim fazer parte do relacionamento, mas somente respeitosos não superlativamente servis.
Em Portugal, nossa matriz comportamental, os mestres devem ser chamados de “Senhor doutor Professor” enquanto nos Estados Unidos basta “Sr. fulano de Tal” e aos de ensino superior, “Professor fulano de tal”.
Aqui as autoridades não dispensam os excelentíssimos, meritíssimos, digníssimos, reverendíssimos e todos os “íssimos” possíveis.
O prefeito brasileiro formalmente deve ser tratado de “excelentíssimo” o americano se contenta com “honorable mayor” ou honrado prefeito. Da esma forma os “meritíssimos” exigidos no judiciário viram “honrados” e o “Vossa Magnificência “dirigida aos “Magníficos Reitores”, transformam-se simplesmente em “President”. Parece que os americanos que romperam com a monarquia e criaram o presidencialismo,também deixaram na Europa um pouco da pompada nobreza britânica.
Além destes tratamentos exageradíssimos do mundo latino, há uma grande simbologia manifestada nas fardas, gravatas, togas, becas, estolas, chapéus e solideis. Acrescente-se ainda os púlpitos que põem os mandatários em nível acima do povo e o palavreado pomposo que mostra a distância entre o rei e o súdito. Também temos as mesas imponentes, cadeiras parecidas com tronos, servidores para atender às mínimas vontades, indicando que ali está um ser superior, que deve ser admirado pelos sabujos.
O Nelson Rodrigues, nosso mais famoso dramaturgo, disse que “o brasileiro tem complexo de vira-lata”. Se é verdade,há uma forte razão para tal,pois desde cedo submetido à total vassalagem, acostuma a achar-se muito pequeno diante da suntuosidade dos que tem poder. Também o endeusamento ridículo e infantil dos artistas de novela, cantores sertanejos e jogadores de futebol parece confirmar a tese do escritor.
Renato de Paiva Pereira é empresário e escritor.