"> Câmara de gás – CanalMT

Câmara de gás

O Tribunal de Justiça errou. Errou e insiste em errar. Ninguém fala. Há medo. Medo de quê? Estão se acumulando as ilegalidades na vara que tem múltipla função: combate ao crime organizado, aos crimes contra a administração, contra o sistema financeiro nacional, enfim, uma porção relevante da legislação penal comum e extravagante nos ombros de uma única pessoa.

Ninguém é perfeito. Juízes erram. Geralmente erram por excesso. Envolvem-se tanto numa causa que saem da posição de julgador para a de atacante. Ficam na torcida e torcem pela condenação.

Está ocorrendo isso nas barbas dos desembargadores. A pressão da mídia é enorme, ao acompanhar o caso dos ex-gestores mato-grossenses presos por incontáveis fraudes e desvios. Tudo indica que novas fórmulas jurídicas estão sendo montadas para não anular processos que são obviamente nulos.

Ali, bateu, valeu. Dificilmente um pedido de prisão formulado pelo Ministério Público não é atendido. Diga-se o mesmo quanto às buscas e apreensões. A acusação passa aos meios jornalísticos as petições não assinadas por meio da assessoria de imprensa, tudo para dar tempo aos noticiários.

Vem outro escândalo antes do fechamento da pauta. A opinião pública é armada convenientemente para se horrorizar com os crimes da quadrilha. Todo mundo lê jornal, acompanha site, entra no facebook. Previne-se todos os juízes e desembargadores para os perigos da soltura.

Forma-se um clima de caçada. Quando o advogado, coitado, impetra um habeas corpus, a população inteira sabe dos mínimos detalhes do processo, até mesmo das aventuras sexuais dos acusados, suas pequenas traquinagens pessoais e da vergonha pela qual deve expiar na carceragem.

O caso da oitiva prévia em delação premiada é paradigmático. Vejamos o quadro. Compete ao Poder Judiciário homologar acordos realizados entre o colaborador e o Ministério Público que, por força da exclusividade da ação penal, é o agente que tem a prerrogativa de barganhar (dá-se o mesmo com o instituto da suspensão condicional do processo). Uma interferência absolutamente indevida assoma-se sem freio algum do Tribunal de Justiça.

A magistrada não verifica apenas a livre iniciativa do delator – requisito para a homologação – como busca saber da prova com antecipação, em audiências pessoais sigilosas e irregulares. Detalhes, detalhes e mais detalhes são até gravados de forma unilateral, sem qualquer advogado de quem está sendo dedurado.

Formou-se uma câmara de gás judiciária, um atentado à democracia que está, lamentavelmente, sendo convalidado pelo órgão superior em jurisprudências que se contorcem para manter esse estado de coisas. Veremos, a seguir, as justificativas.

Antes, porém, outro problema. Uma afronta à Constituição é o aporte de provas decorrentes de investigações paralelas, carreando informações fiscais sem amparo judicial prévio. A quebra de qualquer sigilo constitucional deve passar, necessariamente, pelo crivo da magistratura, uma garantia civil das mais elementares.

Ocorre que, por aqui, a juíza-investigadora é a mesma juíza-julgadora, o que faz de uma mesma pessoa incapaz ao equilíbrio necessário ao julgamento isento. Franco Cordero, um clássico do processo penal italiano, já dizia que os juízes que vão à cata de provas para, posteriormente, julgar acabam ficando esquizofrênicos.

Fico a me perguntar qual o índice de absolvição que há naquela vara especializada, porque me parece serem todos – sem exceção – culpados aos olhos da magistrada.

Agora sim, a pseudoteoria que fundamenta essa bagunça toda. Já vi muitos fundamentos decepcionantes para a prisão preventiva.

Quero citar alguns: a) o réu é uma pessoa perigosa; b) o crime que o réu cometeu é grave; c) o crime cometido gera repercussão social negativa; d) há clamor popular pela prisão. É bom que se diga que cada uma das barbaridades ditas acima já foi rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal reiteradas vezes.

Ainda assim, o “mecanismo do escândalo” fala mais alto e, com base no alcance da cobertura televisiva, justifica-se a prisão, a condenação, o escárnio e, em segunda instância, falta coragem para desmistificar esse pelourinho erguido no fórum. Aliás, vai aqui uma sugestão: é preciso construir uma arquibancada para que a “torcida” acompanhe as audiências.

Recentemente, cheguei a ouvir da boca de um magistrado que tinha nojo de um cliente meu. Ora, quem em sã consciência enojado por alguém poderá ser isento em julgá-lo? Ninguém.

Mas parece que o Tribunal de Justiça não pensa assim. Os desembargadores não perceberam que os fins (apuração e punição do maior esquema de corrupção havido na história de Mato Grosso) não justificam os meios (falta de isenção judicial, nulidades processuais e provas colhidas de forma ilícita).

O povo? O povo aplaude, claro. Aplaudiu o cadafalso, aplaudiu a guilhotina, até escolheu Barrabás. A juíza é saudada na via pública. Se eu não fosse advogado e tivesse estudado processo penal constitucional, também aplaudiria. Quem não quer ver ladrão preso? Mas, espere um pouco – quem falou que os acusados são, de fato, ladrões?

Desculpem o lapso. É que o juízo popular está se confundindo com o juízo judicial e, assim, ninguém fica em seu juízo perfeito.

EDUARDO MAHON é advogado em Cuiabá.


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