"> Brexit ameaça governo May – CanalMT
REUTERS/Simon Dawson

Brexit ameaça governo May

G1

O anúncio de que o Reino Unido fechou enfim um acordo com a União Europeia (UE) para o Brexit põe o governo da premiê Theresa May diante de sua decisão mais importante, que poderá resultar tanto numa saída ordenada da UE quanto num impasse que acabará por derrubá-la.

Pelas informações divulgadas, o acordo prevê que o Reino Unido permaneça, ao menos por um período, numa união aduaneira que inclui os países da UE. Numa união aduaneira, os países eliminam as tarifas internas (com exceções) e adotam uma tarifa externa comum. Há livre circulação de mercadorias, mas não de pessoas, bens e capital, como no mercado comum.

Em princípio, a união aduaneira evitaria a criação de alfândegas e controles fronteiriços entre Irlanda, parte da UE, e Irlanda do Norte, parte do Reino Unido. A manutenção das fronteiras abertas na ilha irlandesa é condição para que May mantenha o apoio do Partido Unionista Democrático (DUP), que garante sua maioria parlamentar. Sem o DUP, o governo May cai.

A união aduaneira também manteria normas e regras comerciais da UE, além de subordinar a resolução de disputas a tribunais europeus. Trata-se de anátema para os políticos que articularam o Brexit, entre eles integrantes do partido conservador e ministros do próprio gabinete de May. Eles receiam, com razão, que a proposta provisória de May se torne definitiva, no acordo final que o Reino Unido deverá fechar com a UE depois da saída, enquanto vigorar o período de transição.

Na tentativa de resolver o insolúvel, de conciliar o inconciliável, May escolheu manter o cordão que vincula seu país ao continente e criou uma situação que os partidários do Brexit consideram insustentável e classificam como “vassalagem”. Eles acreditam que só a ruptura total com o bloco, situação conhecida como Brexit “hard”, dará ao Reino Unido a liberdade necessária para negociar acordos de livre-comércio com outros países, em especial os Estados Unidos.

Desde agosto, o governo publicou mais de cem alertas descrevendo o cenário catastrófico que se abateria sobre o país no caso do Brexit “hard”. Entre as consequências estão: perda de validade das carteiras de motorista na UE, imposição de novas tarifas comerciais e procedimentos alfandegários, novas taxas de roaming no celular, cobranças adicionais por serviços de vídeo, restrições à circulação de sangue, órgãos e tecidos para transplantes. O impacto se estenderia por áreas como finanças, agricultura, aviação, navegação, pesca, energia, satélites, educação, justiça e dezenas de outras.

Desde o início, o dilema diante de May não mudou. Para manter acesso ao mercado europeu e garantir as fronteiras abertas na Irlanda, ela precisa conceder soberania à UE sobre as atividades econômicas. Mas foi justamente a tentativa de resgatar a soberania que motivou o Brexit, daí o pendor belicoso dos partidários da versão “hard”.

O Brexit “hard” pode resultar em desastre comercial, mas só ele permitiria, no entender deles, controlar a imigração a contento. Impossível manter acesso ao mercado europeu sem abrir mão da motivação original do eleitor: fechar fronteiras a imigrantes. A fronteira na Irlanda é o maior símbolo desse impasse.

May apresentará hoje ao gabinete o acordo de 400 páginas fechado com os europeus. Vários ministros já deixaram o governo em virtude das concessões. O último deles, na semana passada, foi Jo Johnson, dos Transportes, irmão de um dos símbolos da campanha pelo Brexit, o ex-prefeito londrino Boris Johnson. Pelo menos dois outros afirmaram que não aceitariam um acerto que mantivesse o país numa união aduaneira de modo permanente.

Se o acerto para a fronteira irlandesa passar pelo gabinete, o próximo passo será o Parlamento. O acordo precisa ser ratificado ainda este ano, para que possa entrar em efeito antes do prazo fatídico para a saída formal do Reino Unido da UE, o dia 29 de março de 2019.

A oposição, em especial os trabalhistas liderados por Jeremy Corbyn, reivindica o direito de emendar o acordo, que deverá ser submetido por May a votação como um pacote fechado. Se ele for rejeitado com votos da oposição e dos conservadores contrários à união aduaneira, a alternativa mais provável será o trágico Brexit “hard”.

O país tem sido palco de várias manifestações favoráveis a um novo plebiscito. A maior reuniu 700 mil em Londres no dia 20 de outubro. Há pouca dúvida de que, numa nova votação, o Brexit seria derrotado, e o Reino Unido permaneceria na UE. Desde o primeiro plebiscito, em 2016, morreram 650 mil eleitores, quase todos idosos, substituídos no eleitorado por jovens, majoritariamente contrários ao Brexit.

Uma análise da Focaldata divulgada em agosto revelou que o voto a favor mudaria para contra em 112 dos 632 distritos britânicos. Mas a ideia do novo plebiscito se torna a cada dia menos viável, já que a lei eleitoral britânica exige um prazo de dez semanas para a campanha. Ainda que o Parlamento o aprovasse até o fim deste mês, a votação teria de ser realizada em fevereiro, perigosamente perto do prazo-limite para a saída da UE. Nesse caso ou mesmo apenas com a rejeição do acordo fechado ontem, o governo May cairia.

 — Foto: Arte/G1 — Foto: Arte/G1

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