"> O STF e o absurdo em matéria penal – CanalMT

O STF e o absurdo em matéria penal

Edno Damascena de Farias

Ressalvadas as nuanças, as teorias justificadoras da pena, em matéria penal, se escoram nas suas funções manifestas, em:

a) prevenção geral negativa (a pena teria a função de incidir sobre aqueles que não delinquiriam, no sentido de intimidá-los, para que não venham a fazê-lo);

b) prevenção geral positiva (a criminalização teria um efeito positivo sobre os que não delinquiram, para reforçar sua confiança no sistema social e penal);

c) prevenção especial positiva (teria a função de buscar a melhora do próprio autor do delito);

d) prevenção especial negativa (também visa o criminoso, não para melhorá-lo, mas, para neutralizar os efeitos de sua inferioridade).

Apesar dos esforços justificadores das teorias da pena descritas sucintamente, o enorme aumento da criminalidade e do número de presos leva a conclusão da falência/insuficiência da teoria da prevenção geral negativa da pena; essa mesma situação (de aumento da criminalidade) leva a conclusão da falência/insuficiência da teoria a prevenção geral positiva, pois a “sociedade” não mantém a confiança no sistema punitivo e cobra a exacerbação/endurecimento das penas; os níveis/índices de reincidência (prática de novos crimes por pessoas já condenadas por crimes anteriores) leva a conclusão da insuficiência/falência da teoria da prevenção especial negativa e, ao mesmo tempo, da teoria da prevenção especial positiva, pois termina por deixar claro que a pena não cumpre suficientemente a suposta função de exercer influência sobre o não delinquente, no sentido de manter sua confiança no sistema, já que a “sociedade” segue cobrando o endurecimento das penas; exigindo, contra a CF, pena perpétua e de morte). (ver: Direito Penal Brasileiro, v. I, Editora Revan, 2003, p. 114 e seguintes).

Por sua vez, os adeptos do direito penal mínimo concebem a intervenção do Direito Penal e a aplicação da pena apenas em caso de conflitos muito graves, para, em última instância, impedir a vingança privada.

A decisão do STF, proferida dia 18/08/2020, que, por maioria, estabeleceu que o Juiz sentenciante pode (na vida real, deve e irá assim proceder) considerar pena extinta há mais de cinco anos como maus antecedentes, no momento de fixar a pena base de condenado, vai contra a mais elementar compreensão do Direito Penal como saber acumulado para interpretar e aplicar a lei penal (alguns ainda confundem lei penal com Direito Penal).

Da mesma forma, referida decisão vai contra a CF, a lógica e a própria legislação, pois:

a) A CF dispõe que não haverá pena de caráter perpétuo (artigo 5°, XLVII, b), e a decisão do STF que atesta ser hígida sentença que considera pena extinta há mais de cinco anos como maus antecedentes, sem dúvida, aceita o caráter perpétuo dos efeitos da pena (toda teoria da pena é sustentada em seus efeitos);

b) O CP dispõe, taxativamente, que é vedada a utilização de condenação anterior extinta pelo prazo quinquenal como agravante da reincidência, no momento de fixar a pena provisória a condenado (segunda fase, no sistema trifásico adotado no Brasil), e a decisão do STF subverte e anula os efeitos desta disposição legal, pois possibilita que o juiz sentenciante considere esta pena extinta como circunstância judicial (artigo 59, CP), no momento de fixar a pena base de condenado, utilizando-se, em tese, do mesmo patamar (percentual) de majoração já estabelecido pela doutrina jurídica (saber penal) em 1/6 por cada agravante (entendimento pacificado na jurisprudência pátria. Por todos, Nucci, in Individualização da pena, RT editora, 2011, p. 189);

c) Para piorar, o STF, por referida decisão, permite que se aplique (de forma enviesada), na pena base (primeira fase do sistema trifásico), majoração que não pode ser considerada majorante a hora de fixação da pena provisória (segunda fase do sistema trifásico), pois incidente o disposto no artigo 64, I, CP, quando nosso sistema jurídico se sustenta (ao menos devia se sustentar) nos princípios da legalidade e da máxima legalidade interpretativa, no sentido de que a lei penal não pode ser interpretada de forma mais grave que o retratado nos tipos penais;

d) A decisão do STF citada é totalmente contrária ao disposto no artigo 1°, Lei 7.210/1984, que retrata que o objetivo da pena é a ressocialização do condenado, ao dispor que mesmo depois de extinta a condenação pelo prazo quinquenal estabelecido no artigo 64, I, CP, o Estado fez de conta que considerou a ressocialização do preso, mesmo depois de passado, por exemplo, 10 anos sem prática de qualquer outro crime;

e) Aliás, o saber penal ignorado pela decisão do STF citada (também ignorado por Nucci em suas obras, quando aborda a questão) ensina que reincidência é a prática de novo crime por pessoa que já tem condenação definitiva por crime anterior; somente tem antecedente criminal aquele que foi condenado, definitivamente, por crime anterior (tautologia).

Em suma, absurda a decisão do STF que, por maioria, definiu que a extinção de pena pelo prazo quinquenal do artigo 64, I, CP, não impede que o Juiz sentenciante considere essa condenação extinta como mau antecedente, no momento de fixar a pena base (artigo 59, CP).

Lamentavelmente, isso tem de ser dito, como ato de constrangimento epistemológico (Lênio Streck) a composição atual do STF padece/falece de Ministro (a) advindo da área penal (no Brasil, temos vários, entre eles Nilo Batista), com visão e atuar sensível às mazelas do nosso sistema prisional (masmorras medievais) e alheio a pressão da mídia e do senso comum que permeia a sociedade, inclusive a grande parte dos profissionais da área jurídica.

 

Edno Damascena de Farias é advogado criminalista.


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