A tirania, na literatura grega antiga, é uma forma de governo incompatível com o ‘dizer-a-verdade’. Seria um terreno formatado e medido pelo silêncio e pela lisonja.
Sempre nos vêm à mente a imagem do tirano como aquele que encarna e personifica o poder, não aceitando a verdade, porque a ele só interessa o que lhe apraz. Cercado de bajuladores, ainda que quisesse ouvir a verdade, ninguém ousa dizê-la.
Mas a democracia seria um lugar propício para a ‘parresía’, para o dizer a verdade?
Em A Coragem da Verdade (tradução de Eduardo Brandão), Michel Foucault pensa que não. E por quê?
O pensador francês nos remete à interessante passagem da ‘Política’, em que Aristóteles escreve que o tirano envia e distribui espiões na cidade para lhe dizer o que verdadeiramente acontece, e o que verdadeiramente os cidadãos pensam.
Aristóteles comenta que essa estratégia leva a um resultado oposto ao que o tirano almejava, pois, sabedores disso e desconfiadas, as pessoas, obviamente, escondiam o que pensavam, e ele ficava sem a verdade.
Mas se difícil na tirania, por que seria improvável, aos olhos de Foucault, na democracia?
Responde o autor de ‘Vigiar e Punir’ – a impossibilidade para o campo político da democracia de dar lugar e espaço à diferenciação ética-. Nas democracias, é o demagogo que cumpre o papel de lisonjeiro, porque ele é uma espécie de ‘cortesão do povo’.
E acrescenta: ‘… na relação entre o Príncipe e o que diz a verdade, entre o Príncipe e seus conselheiros, se reconhece um lugar para a prática parresiástica. E a relação entre o Príncipe e seu conselheiro constitui um vínculo no fim das contas muito mais favorável à parresia do que existe entre o povo e os oradores’.
Claro que, isso tudo, num contexto em que o tirano, apesar da concentração de poder, tem ética e boa virtude; senão, também não.
Independentemente da forma e sistema de governo, a vida, então, está doente? A vida é doente, na ‘gênesis’? Há autoridade moral e superior que possa desafiar a lógica dos acontecimentos?
No derradeiro momento de sua morte (Fédon), Sócrates se volta para Críton, ‘devo um galo a Esculápio (Deus da medicina e da cura)’. Ou o sentido disso seria – ‘Críton, a vida é uma doença’-, como pareceu querer Nietzsche?
De tudo, se a ética for o que se faz da moral, simplesmente, um é melhor que muitos. Mais fácil dele, tirano, esperar superioridade ou mesmo que faça, dela (ética), introjeção. Ou não?
É por aí…
GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO é juiz em Cuiabá.