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Filhos? Melhor não tê-los

Dizia o “poetinha” Vinícius de Moraes[1]: “Filhos? Melhor não tê-los! Mas se não os temos como sabê-los? (…) Como saber que macieza nos seus cabelos, que cheiro morno na sua carne, que gosto doce na sua boca! (…) Que coisa louca, que coisa linda que os filhos são!”

Nem todos estamos preparados para ser pais. É uma constatação. Daí, a provocação aparentemente insensata que o título deste artigo tem a intenção de suscitar.

Nem todos nos tornamos suficientemente maduros, com a sabedoria, o discernimento e a responsabilidade necessários e condizentes com a idade cronológica.

E essa ausência de sincronia corpo-mente pode provocar desajustes de variada ordem, com reflexos até mesmo para outras pessoas de nosso convívio.

Na atualidade, com a inconstância e a instantaneidade que a caracterizam, fica difícil manter os mesmos tipos de relacionamentos de outrora.

Há outras conformações, outros tipos de vínculos, enfim. Talvez, se possa falar em outros sentimentos, diversos dos tradicionais que até então se conhecia. Quem sabe?!

Como muito bem definiu o pensador Zygmunt Bauman[2], vivemos a era do amor líquido, consubstanciado principalmente pela fragilidade dos laços humanos, em que, talvez, já não possamos mesmo esperar perpetuidade das relações afetivas.

Mas, não nos interessa neste espaço avaliar se essa inconstância de relações afetivas é boa ou não. O foco é a sua possível consequência no contexto das relações entre pais e filhos, especialmente quando a dissolução da sociedade conjugal, ao que parece, se tornou quase a regra.

Não é incomum os jovens assumirem um relacionamento afetivo mais sério, mas com o prévio pensamento de que “se não der certo, a gente se separa”. Ou seja, o pressuposto da união, contraditoriamente, parece ser o fundamento da (quase certa) separação.

Só que “no meio do caminho tinha uma pedra”[3], e essa pedra, para muitos, é o filho que, “não se sabe como”, surgiu daquele relacionamento “sem compromisso”, daquele encontro fortuito (talvez furtivo).

O relacionamento afetivo acaba, mas seu produto dura a vida toda. Devo ressaltar para os desavisados: filho é compromisso para toda a vida!

Creio não ser necessário desenhar para melhor entendimento, mas vou resumir em outras palavras: as figuras do marido e da esposa, do namorado e da namorada (e todas as demais definições mais recentes) podem acabar, mas a figurinha do filho não, assim como também não termina a figura do Pai e da Mãe.

Neste cenário entram os conceitos jurídicos de guarda do ser gerado daquele relacionamento, e que surgiram para tentar minimizar a ideia amplamente superada de que a obrigação de cuidar do filho é da mãe.

Não dá para gerar filhos somente com os gametas da mãe. É necessária a contribuição de homem e mulher para o milagre da multiplicação, ou melhor, para o milagre da vida, concedida por Deus aos mortais.

Portanto, não há milagre ou surpresa quanto à responsabilidade de cuidar do filho. Deve haver permanente compartilhamento da contribuição do pai e da mãe para o sustento, a educação, o carinho e todos os demais cuidados com o desenvolvimento pleno do filho, rumo à consolidação da autonomia necessária da personalidade para a formação de um cidadão consciente e participativo do mundo a que pertence.

E como se dá a guarda do filho?

Hoje estão consagrados vários tipos de guarda:

 

1.    A guarda unilateral é concedida a somente um dos pais, ficando o outro com direito a visitas periódicas;

 

2.    A guarda conjunta é aquela em que a criança mora com um dos pais, que é o detentor da guarda física, entretanto, os direitos (de ordem prática, ou seja, do dia a dia) e os deveres do menor impúbere são decididos conjuntamente;

 

3.    A guarda alternada consiste na mudança de casa pelo menor, em períodos iguais e pré-estabelecidos, em que predomina a alternância dos pais acerca da própria guarda e também o poder de decisão sobre o filho;

 

4.    A guarda compartilhada, hoje amplamente majoritária (é a regra), é caracterizada pela divisão entre os pais das responsabilidades e despesas quanto à criação e educação do filho, pois ambos têm os mesmos deveres e as mesmas obrigações e também o mesmo tempo de convivência com o filho.

Desde o ano de 2014, com a entrada em vigor da Lei 13.058, que provocou alterações significativas nos artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, conhecido como Código Civil, a guarda compartilhada entre os pais passou a ser a regra.

Isso representou mudanças fundamentais no que tange ao aspecto comportamental dos pais (separados) em relação aos filhos, tendo sido desfeita a obsoleta e absurda tradição de que a guarda dos filhos, após a separação, automaticamente pertencia à mãe.

E isso é essencial para o desenvolvimento sadio do filho, que tanto precisa da figura feminina quanto da masculina em sua formação.

Desde então, não mais prevalece aquele antigo (pre)conceito social de ser ônus exclusivo da mãe o cuidar do filho. Não existe mais o “toma que o filho é teu”. Agora, mais do que nunca, pai e mãe são os responsáveis diretos pelo bem-estar do filho.

Para isso, é salutar que mantenham uma convivência harmônica, respeitosa, sadia e, se possível, de amizade, de comunicação franca, tudo direcionado ao bem do filho, que precisa deste tipo de ambiente sadio para seu pleno desenvolvimento em todos os âmbitos de sua personalidade (aspecto físico, mental, psicológico, educacional, social etc).

Os pais precisam desenvolver a consciência de que o divórcio se dá entre marido e mulher, não entre pai e mãe. Muito menos entre pai e filho ou entre mãe e filho. A figura do marido termina, mas não a do pai; do mesmo modo a figura da mãe.

Adicionalmente, deve-se salientar que guarda compartilhada não significa convivência compartimentada ou alternada, essa última caracterizada pelo fato da criança passar um dia com a mãe e o outro com o pai, de maneira alternada, sempre com uma mochilinha nas costas.

Na guarda compartilhada, na verdade, a criança mora com um dos pais, mas praticamente tudo relacionado a ela é decidido conjuntamente por ambos os pais.

Felizmente, os novos contornos do instituto da guarda, especialmente a compartilhada, contribuem para diminuir a perda experimentada pelo filho, que é quem mais sofre com a separação de seus entes queridos, verdadeiros esteios de sustentação moral, dentre outras qualidades em que normalmente se espelham.

A guarda compartilhada tem aptidão, ainda, para minorar a sensação ou a prática de alienação parental, que comumente pode ocorrer com o distanciamento físico entre um dos genitores e o filho.

É a situação em que o um genitor pode eventualmente acabar denegrindo perante o filho a imagem do genitor ausente.

Com a maior “proximidade” com os interesses do filho, ao ajudar a decidir sobre sua vida, enfim, esse efeito deletério decorrente, por vezes, de uma tendência vingativa, pode resultar afastado ou diminuído.

E uma observação adicional: a obrigatoriedade da guarda não interfere no dever de conceder pensão alimentícia.

GISELE NASCIMENTO é advogada em Mato Grosso, especialista em Direito Civil e Processo Civil e pós-graduanda em Direito do Consumidor.  Membro da Comissão de Defesa da Mulher OAB/MT.

gsn_adv@hotmail.com

@giselenascimentoadvogada

[1] Vinícius de Moraes, in Antologia Poética. Poema Enjoadinho.

[2] BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

[3] Carlos Drummond de Andrade, No meio do Caminho.


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