"> O trabalho exaustivo nos hospitais – CanalMT

O trabalho exaustivo nos hospitais

A proximidade do dia de finados nos instiga a um tema lúgubre. Quase macabro.

Inadvertidamente, os Tribunais Superiores podem estar contribuindo para a consolidação da cultura da morte.

É uma afirmação forte. Vamos aos fatos que pretendem demonstrar a conexão de assertiva tão grave com decisões judiciais.

Morrer como consequência do trabalho em excesso é um risco efetivo. Há abundância de estudos indicando que o número e a gravidade dos acidentes de trabalho estão ligados à jornada excessiva. Há incremento nos riscos a que estão expostos esses trabalhadores.

Neste espaço, porém, abordaremos os riscos de matar quando se trabalha extenuado. Propõe-se uma breve reflexão sobre os riscos a que estão submetidos os cidadãos e a sociedade quando se tolera ou autoriza, rotineiramente, o trabalho em longas jornadas, nas atividades que lidam com a vida.

Muito cedo, numa manhã de março de 2016, a filha de Drielle, internada com diarreia num hospital de Ilhéus – BA, morreu. O óbito seria decorrente de equívoco no medicamento ministrado. A mãe teve tempo de ver a criança arregalando os olhos e espumando enquanto se contorcia.

Numa madrugada de abril de 2016, uma técnica de enfermagem de um hospital de Caraguatatuba – SP, foi presa. Acusação: homicídio culposo. A profissional cometeu erro na aplicação de um medicamento em um paciente de 87 anos internado com pneumonia. Morte por parada cardíaca.

Frequentemente a grande imprensa pauta notícias semelhantes a esses dois casos. Uma simples busca na internet revela uma infinidade deles.

Às vésperas do dia dedicado à celebração da memória dos mortos, foi divulgado estudo de professor da Universidade Federal de Minas Gerais que fornece uma informação assustadora: “Falhas provocam mais de duas mortes a cada três minutos nos hospitais do Brasil”!

O levantamento apontou que em 2015 foram 1.190 mortes por dia!

Os erros médicos e a negligência estariam entre as causas indicadas no estudo: “Erros acontecem: a força da transparência no enfrentamento dos eventos adversos assistenciais em pacientes hospitalizados”, que englobou unidades públicas e privadas de saúde.

Os números impressionam!

Como uma experiência pessoal, em duas oportunidades amigos foram socorridos, em Brasília, em razão de mal súbito. Coincidentemente, ambas no final da tarde. É uma hora crítica, como é o início do dia. A troca de turno dos profissionais que laboram na jornada “12 x 36” – 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso – faz com que não haja médicos ou enfermeiros. Uma turma está entrando. Outra, saindo. A conversa com os profissionais revela que estão indo (ou vindo) do turno alternado de outro emprego.

Com múltiplos empregos, os profissionais que deveriam cuidar da saúde dos necessitados estão permanentemente saindo/entrando ou exaustos, com sono. Há estudos que indicam a utilização de medicamentos para suportar a dura rotina. Assim, é claro que os “eventos adversos” acontecem.

Sem previsão legal, o regime “12 x 36” foi introduzido no sistema hospitalar a partir de meados dos anos 1980. Antes disso, já era empregado na categoria dos vigilantes, normalmente regulamentado por meio de dissídios coletivos, normas ou acordos coletivos.

O Tribunal Superior do Trabalho – TST tem um entendimento que respalda essas situações. Considera que a jornada realizada nessa escala traria vantagens para o trabalhador. Há um texto padrão, reproduzido em muitas decisões: “o trabalhador passa a dispor de mais tempo para a família, convívio social, lazer, descanso, participação em cursos de qualificação profissional ou até o desenvolvimento”. O excesso de jornada seria compensado por folgas mais elásticas.

O discurso do TST, recentemente convertido na Súmula nº 444/TST, ignora a vida real. Nesta, os baixos salários empurram os profissionais de saúde para um segundo e, por vezes, terceiro emprego, todos no regime “12 x 36”.

Em 2016, o Supremo Tribunal Federal – STF reforçou o entendimento que expõe a sociedade – e a vida das pessoas – aos riscos dos profissionais exaustos, laborando em atividades que exigem especial atenção. Reconheceu a constitucionalidade da Lei que estabelece a jornada de “12 x 36” para os bombeiros civis (ADI n° 4842).

Não é difícil prever que esse entendimento do STF será transportado como fundamento para o trabalho na área hospitalar.

O Direito guarda certa reverência com a morte e com o além. Dentre outras disposições pouco conhecidas, o Código de Trânsito Brasileiro considera infração – leve e passível de multa – ultrapassar veículo em movimento que integre cortejo ou préstito fúnebre.

De forma paradoxal, parece que não há tanta reverência com a preservação da vida.

Leomar Daroncho é Procurador do Trabalho e Diretor-geral da Procuradoria Regional do Trabalho (PGT)


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