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Entre “nós” e “eles”

Desde que escrevo meus artigos, esta anômala conjuntura tem me desafiado como nunca. Quase tudo é inédito.

Pois bem. Se no começo dos anos 90 tivemos um presidente impedido de continuar seu mandato, porque estava envolvido em corrupção (e isso não nos é novo), em contrapartida, “nunca antes na história desde país” vimos um ex-presidente tentando refugiar-se em um ministério para obter “foro privilegiado” na Justiça.

O motivo de seu refúgio é o mesmo que condenava em seus adversários: corrupção; quiçá, a mais tentacular das que já soubemos.

Mas não me embrenharei por essas veredas. Meu recorte circunscreve-se a dois enunciados que vi (pela TV e redes sociais) em faixas e cartazes nos dois recentes movimentos de rua: o do dia 13 (dos amarelinhos) e o do 18 de março (dos vermelhinhos). Ao recorte, acrescento um e-mail que recebi.

O primeiro dos enunciados refere-se ao velho “Fora comunistas”. O segundo, ao antigo “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”. Já o e-mail era um convite para eu aderir a um abaixo-assinado contra a “Rede Globo golpista”. Tudo anacrônico.

Por esses tópicos transcritos, e por outros tantos que circulam tingidos de amarelo ou de vermelho, não me sintonizo nem com o “Nós” e nem com o “Eles”. Sou um Sem-Pronome. Se ao menos houvesse um “Vós”…

Mas por que vejo tais enunciados e propostas como anacrônicos?

Porque nada disso corresponde mais a este momento vivido. Em idas décadas (do golpe militar ao impeachment de Collor, em 1992, aproximadamente), aqueles enunciados até podiam ter alguma lógica; depois, não mais.

A turba que hoje grita “Fora comunistas” se dirige à turma que (des)governa o Brasil, de onde os últimos comunistas pularam do barco assim que Lula assinou a “Carta aos brasileiros” em 2002; era o acordo que os neoliberais impunham ao PT.

Logo, com a participação da Globo (que detonara com Lula nas eleições de 89), os empresários passaram a financiar o PT para fazer um ex-operário sustentar e expandir pilares do capital no Brasil. Para isso, com valores estratosféricos, até pagaram campanhas petistas país afora.

De lá até aqui, o petismo fez o que pode para contemplar os interesses das velhas elites. Na base do populismo, chegou a ludibriar a plebe com políticas compensatórias. Hoje, o PT só está negativamente exposto na mídia porque a Lava-Jato veio à tona.

Portanto, não há mais comunista para sair de lugar algum; e não há porque os princípios norteadores do Partido foram pisoteados por sua própria cúpula. O PT pulou o riacho. Agarrou-se às elites. Tornou-se elite, inclusive nas práticas delituosas.

Por sua vez, a Globo também mudou, mas sua mudança foi de maquilagem, não de essência, como ocorreu com o PT. Aquela empresa, como as demais, continua a defender o que sempre defendeu: o capital.

E porque faz essa defesa, a Globo percebeu que não era mais possível atenuar nada referente ao PT, e nem mesmo poupar aliados de categoria, como empresários da OAS, Odebrecht etc.

No episódio de Collor, foi obrigada a fazer o mesmo, ainda que só para contemplar códigos da ética burguesa. Agora, de fato, o PT tem levado uma surra midiática; e vai levar mais.

Por tudo isso, paradoxalmente, a Globo e outras empresas, principalmente da mídia – exceto as dominadas pelo Governo Federal, como a EBC e a TV Brasil, p. ex. – escancaram a tragédia nossa de cada dia.

Porém, essa exposição, por mais dolorida que seja, não deve sofrer nenhuma censura de nossa parte. No limite, o que nos cabe é entender e denunciar exageros que se nos apresentam.

ROBERTO BOAVENTURA DA SILVA SÁ é doutor em Jornalismo pela USP e professor de Literatura na UFMT.

 


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