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In memorian

Esta metade do ano cuiabano foi marcada por perdas de figuras significativas em nosso meio social e politico. São valores da velha cepa. Não tive com nenhum deles uma convivência estreita, cotidiana, de visitas constantes e de corriqueiras.

Penso da amizade, como nos aconselha Drummond de Andrade, que “como as plantas, a amizade não deve ser muito, nem pouco regada”.

A medida certa, poeta, a justa medida. E assim o foi com estas pessoas, desde que as conheci assim que cheguei para nesta Cuiabá viver definitivamente, já lá se vão mais de três décadas. Daí que nossos contatos se deram sempre no altiplano da mútua respeitosa consideração, diria até, da admiração.

Todos de anos mais que eu, de maior experiência, daí ter-lhes sempre olhado com esse olho de mais ver virtudes que defeitos. No entanto, e por isso mesmo, em algum momento desse conhecimento tenho uma lembrança mais viva.

Vejamos:

Em junho, a 18, falece Aecim Tocantins. Sempre referido como “professor Aecim” o seu jeito afável, de grande cordialidade, a voz pausada e cordata granjeou onde esteve a simpatia de quantos com ele conviveram.

Conheci mais de perto nos anos de transição para a Democracia quando o Partido Popular de Tancredo Neves e de Magalhães Pinto incorporou-se ao PMDB de Ulisses.

Aecim, amigo de vida inteira de Garcia Neto, compunha o quadro dirigente desse Partido, e ao depois, da nova agremiação. Nessa condição fez parte de uma comissão que, com habilidade, procurava aparar as arestas que, localmente, preexistia entre as lideranças dessas agremiações.

Era preciso manter o Partido unido para enfrentarmos o desafio de uma possível eleição direta para a Presidência da República e, claro, para ganhar o governo do Estado. Nesse contexto, Aecim teve um papel importantíssimo, sobretudo para agasalhar os inúmeros candidatos ao legislativo.

Foi uma boa escolha. A longa experiência politica, mais de bastidores do que do proscênio, deram-lhe não só a habilidade necessária, mas particularmente o respeito dos inevitáveis descontentes.

O então contador Aecim havia vivido momentos políticos mais difíceis. O mais notório deles foi certamente o embate para a eleição à Prefeitura de Cuiabá no ano de 1958.

Findando o governo de Garcia Neto, a UDN estava praticamente sem qualquer chance de manter o poder municipal. Era que do outro lado, candidato pelo PSD, estava uma das mais figuras que este Estado já teve.

Tratava-se do ex-Interventor federal Júlio Müller. Homem íntegro, sério e realizador. Tendo estado por oito anos à frente do Governo, poucos – acredito que nenhum até hoje – fez tanto por Cuiabá como ele.

Era um páreo duro para a chapa Hélio Palma de Arruda – Aecim Tocantins. A opinião pública estava amplamente favorável ao ex – Interventor.

No entanto, um episódio inesperado, que ficou conhecido como “a ponte da confusão”, e que relato em meu livro “Governadores – Meio Século de Vida Pública”, mudou o cenário e a vitória sorriu para a UDN de Garcia.

Nos últimos anos, nos encontramos nas ocasiões das reuniões do Instituto Histórico e Geográfico a que pertencíamos.

Um dia depois de Aecim, falece, em 19, Rômulo Vandoni. Também nos encontrávamos esporadicamente. Mas era sempre uma satisfação vê-lo em sua bonomia, com ele conversar sobretudos sobre os problemas e soluções para o Estado que este paulista de Araçatuba havia adotado como torrão natal há mais de meio século.

Por algum tempo, fomos vizinhos no bairro Duque de Caxias e em tantas manhãs de caminhadas nos encontrávamos.

Anos depois, pediu-me que fizesse a apresentação de seu livro “Ao Longo do Araguaia”, diário de uma longa navegação, que com o irmão Odenir, fizera por esse rio na década de 1940. Depois voltaria várias vezes à região e, em Barra do Garças, fizeram amizade com meu pai, Antônio Matias de Carvalho.

Rômulo foi um dos técnicos que durante os anos 80 e 90 mais conheciam os problemas e os pontos de estrangulamento de Mato Grosso.

Agrônomo, ocupou as Secretarias de Agricultura e de Viação e Obras Públicas e foi um dos idealizadores e criadores do importante órgão que foi o Indea – Instituto de Defesa Agropecuária do Estado.

Agora em outubro, 19, parte Sarita Baracat uma das figuras mais emblemáticas da politica mato-grossense.

Primeira mulher a ser eleita Prefeita em Mato Grosso [1966]. Atenção, nunca é demais sublinhar, que a “professora Sarita”, como se tornaria conhecida e como gostava de ser chamada, não foi eleita por força familiar, pela presença do marido ou de parentes poderosos.

Não. Ela, tal qual a Oliva Enciso, a primeira a ser eleita deputada, também ela professora, foi eleita pelo vigor, pela aguerrida determinação próprias. Exemplo da garra e da fibra da mulher mato-grossense.

Sempre recordei o meu primeiro contato com Sarita e me foi ele marcante. A meu pedido, foi levado por um amigo várzea-grandense para conhecê-la. Queria conhecer a única deputada daquela legislatura.

Chegamos a sua casa sem avisar – a pessoa me havia dito que isso não era necessário para a deputada, ela recebia a todos indistintamente a qualquer hora, e isso era uma das suas características. Sarita estava varrendo a porta de sua casa e molhando as plantas.

Para mim, foi impactante. Como assim? – me perguntei. Um deputado fazendo trabalhos domésticos, calçada de chinelas, numa simplicidade franciscana.

Numa terra de deputados pomposos, tão fáceis de serem encontrados nas antevésperas das reeleições e tão cheio de empecilhos após eleitos, aquela deputada ali na porta, fazendo um trabalho de casa importante, mas que a imensa maioria delega aos serviçais, me impressionou deveras.

Logo imaginei que este seria o perfil de um parlamentar socialista, revolucionário. Engano. Aquela deputada era politicamente até muito conservadora.

Aquele jeito simples, com uma cordialidade espontânea, com uma natural segurança, tudo isso era próprio dela, fazia parte intrínseca de sua personalidade ativa, vigorosa. Aprendi a gostar de Sarita Baracat a partir daí.

Depois a vi atuante na atividade do legislativo estadual, e assisti as suas duas derrotas políticas. Em 1982, foi derrotada para a Prefeitura de sua cidade, e em 1990, mesmo com pouquíssima chance de vitória mas, com o seu conhecido espirito de sacrifício, ofereceu seu nome na chapa peemedebista para a Câmara Federal.

As derrotas, porém não a abateram. Não tanto como o sofrimento causado pela trágica perda do filho Ernandy (“Nico”) Baracat.

Outubro [24] ainda nos levou uma figura menos conhecida que os anteriores mas de igual valor como ser humano. Refiro-me ao repórter Gonçalo [Gê] José Fernandes.

Após atuar, na década de 60, na imprensa fluminense [entre os quais o ‘A Luta Democrática’] esse poconeano inteligente retornou a sua terra. Aqui trabalhou em vários órgãos da imprensa. E foi no ‘Correio da Imprensa’, do combativo J. Maia de Andrade, que eu conheci, e fizemos amizade.

Daí que anos depois, ele, ao lado de Afrânio Borba, outra grande figura da imprensa deste Estado, responsáveis pela equipe de jornalismo da TV Oeste, canal 8, convidou-me para fazer comentários políticos diários.

Acredito não estar equivocado ao registrar que esta foi a primeira vez na TV em Mato Grosso que havia comentários diários sobre os fatos políticos locais e nacionais. Assim era o Gê, um ser inquieto, embora tranquilo, que às vezes tinha a ânsia de falar tudo de uma vez, um sonhador.

Por muitos anos, foi aqui o correspondente de importantes veículos do jornalismo nacional. Por fim, cansado da imprensa, lançou um veículo próprio, o pequeno mais bem lido “Jornal do Ônibus”.

Faço estas homenagens neste dia tradicionalmente dedicado aos que nos deixaram. Faço-o porquê, não estando em Cuiabá nos últimos meses, não pude ir ao velório dessas pessoas que, mesmo de longe e em esporádicos encontros, nunca deixei de ter-lhe respeito e consideração.

Faço-o também, se me permitem, como historiador. Penso ser necessário, senão imprescindível, fazer o registro para a posteridade de pessoas que marcaram o tempo de uma época de sua terra.

Em vida, todos tiveram vida longa. Que, após a morte, não sejam esquecidos.

E, por fim, é que para eles e ela, eu poderia ter dito, tal como escreveu o velho Machado: “Não é amigo aquele que alardeia a amizade: é traficante; a amizade sente-se, não se diz.”.

SEBASTIÃO CARLOS GOMES DE CARVALHO é advogado e professor. Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso e do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás.


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