A juíza da 7ª Vara Criminal de Cuiabá, Selma Rosane Santos Arruda, aceitou denúncia do Ministério Público Estadual (MPE) contra a tenente do Corpo de Bombeiros Militar (CBM), Izadora Ledur de Souza pela morte do aluno Rodrigo Patrício Lima Claro, 21, ocorrida “após sessão de tortura” durante treinamento militar do Corpo de Bombeiros, em novembro de 2016. Porém, negou pedido de prisão preventiva e determinou que ela passe a ser monitorada por tornozeleira eletrônica.
O pedido de prisão do MPE diz que na qualidade de instrutora do curso de formação de bombeiros militares, a tenente submeteu a vítima “a várias sessões de afogamento durante treinamento aquático, que resultaram na sua morte”. A magistrada concorda que se trata de “fato grave, que demonstra crueldade extrema por parte da tenente e seu total desprezo pelo aluno vitimado”, diz trecho da decisão.
Entretanto, a defesa da tenente aponta que Ledur foi exonerada do cargo de instrutora, não havendo risco de reiteração criminosa, argumenta que a cliente demonstrou-se colaborativa com as investigações e que não há contemporaneidade entre o fato criminoso e o pedido de decretação da prisão preventiva.
“O risco da reiteração criminosa, então, não existe”, avalia a magistrada. “O fato de que o crime ocorreu em 10 de novembro de 2016, mas somente agora, decorridos mais de 8 meses do fato criminoso, é que o Ministério Público pugna pela decretação da prisão preventiva, sem justificar em nenhum momento o motivo pelo qual não o fez anteriormente, exceto porque a mídia teria dado amplo alcance do acontecimento, deixando a sociedade perplexa e estarrecida”, diz outro trecho da decisão.
Segundo a juíza Selma Arruda, “há medidas cautelares diversas da prisão capazes de assegurar que a denunciada não volte a delinquir e não tenha qualquer influência junto a testemunhas, de modo a garantir tanto a ordem pública, quando a escorreita coleta de provas na instrução processual”, aponta.
Além do monitoramento eletrônico, a tenente deve comparecer mensalmente em juízo para informar residência e justificar suas atividades, permanecer distante de quaisquer locais relacionados ao Corpo de Bombeiros de Mato Grosso, inclusive da Secretaria de Segurança Pública para evitar o risco de novas infrações. Também não pode manter contato com as testemunhas arroladas pelo MPE e está proibida de se ausentar de Cuiabá sem autorização da juíza. Ela também está proibida de exercer a função pública de tenente do Corpo de Bombeiros até o final da instrução processual.
Militares réus
Também tornaram-se réus na ação, bombeiros militares Marcelo Augusto Revéles Carvalho, Thales Emmanuel da Silva Pereira, Diones Nunes Sirqueira, Francisco Alves de Barros e Eneas de Oliveira Xavier também viraram réus na ação. A decisão é de quinta-feira (27).
Denúncia
De acordo com a denúncia da 24ª Promotoria de Justiça Criminal de Cuiabá Especializada da Defesa da Administração Pública e Ordem Tributária, o fato aconteceu no dia 10 de novembro de 2016 durante o treinamento de atividades aquáticas em ambiente natural do 16º Curso de Formação de Soldado Bombeiro do Estado de Mato Grosso realizado na Lagoa Trevisan em Cuiabá.
O MPE destaca que apesar de apresentar excelente condicionamento físico, o aluno demonstrou dificuldades para desenvolver atividades como flutuação, nado livre, entre outros exercícios.
Consta na denúncia ainda que embora o problema tenha chamado a atenção de todos, os responsáveis pelo treinamento não só ignoraram a situação como utilizaram-se de métodos totalmente reprováveis, tanto pela corporação militar, quanto pela sociedade civil, para “castigar” os alunos do curso que estavam sob sua guarda.
Conforme o MPE, depoimentos colhidos durante a investigação demonstram que a vítima foi submetida a intenso sofrimento físico e mental com uso de violência. A atitude teria sido a forma utilizada pela tenente Izadora Ledur para punir Rodrigo por ele ter apresentado mau desempenho nas atividades dentro da água.
Em um dos depoimentos, por exemplo, foi relatado que em um determinado momento do treinamento a vítima estava com a cabeça baixa, reclamando de muita dor de cabeça, olhos vermelhos e vomitando água e que, mesmo assim, as atividades não foram interrompidas. O aluno chegou a se jogar no chão na posição fetal e com as pernas encolhidas por não conseguir ficar em pé. Nesse momento, a tenente teria humilhado-o perante todos.
“Os métodos abusivos praticados pela instrutora consistiram tanto de natureza física, por meio de caldos com afogamento, como de natureza mental utilizando ameaças de desligamento do curso com diversas ofensas e xingamentos humilhantes à vítima menoscabando sua condição de aluno”, diz um trecho da denúncia.
Acrescenta, ainda, que os outros bombeiros militares presentes no treinamento e também denunciados, mesmo observando as práticas delitivas cometidas por Izadora, quando tinham o dever legal de evitá-las, omitiram socorro a Rodrigo consentindo assim com a atitude criminosa da denunciada.