No dia 10 passado, foi feita a leitura do Relatório na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados do pedido de abertura de inquérito, de iniciativa do Ministério Público Federal junto ao STF, contra o presidente da Republica. O relatório foi favorável à abertura do inquérito junto ao Supremo.
O fato principal foi a gravação clandestina por parte de um empresário de conversa que teve com o presidente em sua residência, sem o seu conhecimento. E ainda há quem afirme que tudo isto contou com a participação do Ministério Público Federal e da Polícia Federal.
Já tive oportunidade de me manifestar, nesta coluna, o meu repúdio pela forma com a prova foi conseguida sem o conhecimento do presidente da República. Vingou a tese já convalidada pelo STF, de que é válida a prova (gravação) sem o conhecimento do interlocutor.
A Constituição Federal estabelece serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (inciso X, art. 5). A meu ver, não há exceção.
E não cabe ao intérprete da lei excepcionar onde ela não excepciona.
Com esta afirmação, a gravação de conversa sem o conhecimento do interlocutor não tem validade nenhuma, pois foram violadas a intimidade e a vida privada com a tal gravação.
Em suma, foi furtada da pessoa a sua intimidade e a sua privacidade (força de retórica porque furto é de coisa alheia móvel que tenha valor econômico).
Da mesma forma que poderia ser furtado um objeto qualquer da casa de outra pessoa, o que se dá sem o seu conhecimento. E isto é crime capitulado no artigo 155 do Código Penal.
Os regimes de força começam com extinção dos direitos e garantias individuais. O individuo não existe, o que existe são os direitos e comandos do Estado, que tudo faz, tudo fiscaliza e tudo pode.
Não se venha dizer que gravação clandestina não é uma prática totalitária, ao revolver a privacidade e a intimidade das pessoas, com a agravante de ser feita – insistimos – sem o conhecimento delas.
Tira-se desta forma a primeira trava para se chegar a outras práticas abusivas contra o cidadão.
Se furtar a intimidade das pessoas não é crime, o denuncismo (delação premiada e seus excessos), as prisões arbitrárias e as conduções coercitivas também não serão.
Lembre-se que inúmeros destes abusos já foram praticados por determinação e com a benevolência judicial.
Não se pode transigir com a privacidade e a intimidade das pessoas e suas garantias. Os excessos, quando tratam destes preciosos bens, não têm fim. Eles começam e não se sabe até onde eles vão chegar.
A história está a demonstrar onde chegaram o nazismo, o fascismo, o comunismo e os desdobramentos do Golpe de 1964.
Trata-se de usurpação da competência – o interprete ir além do que o legislador quis estabelecer.
Este é apenas um fato, dentre tantos outros da mesma natureza, que já vem acontecendo costumeiramente no Brasil.
“Como o Executivo e o Legislativo em crise, o Poder Judiciário tomou conta de tudo” (Ada Pelegrini Grinnover).
Ninguém, conforme relatamos, estará a salvo dos tentáculos do Estado, a continuar nesta toada.
A Polícia Federal e o Ministério Público Federal são devidamente aparelhados, com meios e formas de desvendar crimes e não precisam violar os direitos e garantias individuais para isto.
A consciência democrática e republicana não podem tolerar nada disto.
É preciso que se respeite o cidadão naquilo que lhe é mais caro: intimidade e privacidade. E não vamos retornar pela via judicial a um passado que já enterramos.
É preciso que se restaurem os primados e comandos da Constituição de 1988, para que a harmonia entre os poderes volte a reinar e para que nenhum poder usurpe a competência do outro.
Somente assim poderemos abrir caminho para o Primeiro Mundo.
RENATO GOMES NERY é advogado em Cuiabá.
rgnery@terra.com.br