De alguns anos pra cá, com o surgimento de diversas operações policiais, o Poder Judiciário, através do seu poder jurisdicional, vem se utilizando de uma importante ferramenta chamada de Prisão Preventiva como forma de obstar práticas delituosas.
Com isso, vários políticos e grandes empresários foram parar “atrás das grades” e a população enalteceu o Poder Judiciário.
No entanto, passei a observar que, ao decretar a cautelar de prisão, o órgão jurisdicional vem cometendo alguns equívocos, como por exemplo, manter, por longos e longos prazos, suspeitos presos preventivamente com o fim de obter uma Colaboração Premiada ou buscar provas/elementos sobre fatos delituosos. Posso até estar enganado, mas é o que vem transparecer.
Dai pergunto: Será que essa atitude do Judiciário está correta? Será que MANTER preso preventivamente um ser humano para conseguir uma Colaboração Premiada ou para buscar provas está conforme a Lei?
Creio que não. A colaboração premiada não é e nunca foi requisito para manter alguém preso preventivamente. Ela serve como um prêmio àquele que colabora com o Estado na apuração de fatos criminosos, mas este prêmio é concedido no momento da condenação e não na fase de investigação. O artigo 312 do Código de Processo Penal é taxativo. Em hipótese alguma traz a colaboração premiada em o seu rol.
Ao agir desta forma, o Estado regride ao Período Colonial onde se utilizava da tortura para conseguir confissões a cerca de crimes considerados graves. Vejamos:
“Curiosamente, durante o Período Colonial, em pacífica convivência com semelhante preocupação com as garantias individuais, boa parte dos ordenamentos jurídicos previa a imposição de tormentos para a obtenção da verdade em relação a determinados crimes. As Ordenações Filipinas, por exemplo, seguindo a tradição romana e visigótica, autorizavam tais métodos de prova, utilizando a tortura quando se tratasse de delitos considerados gravíssimos, como os de lesa majestade, traição e homicídio atroz aos nobres”. (PIERANGELLI, 1983, p. 54)
Nota-se que a única diferença do período colonial para hoje, com o objetivo de se conseguir informações sobre fatos criminosos, está no “modus operandi”. Antigamente torturava-se; hoje se prende provisoriamente ou mantém alguém preso, com o intuito de conseguir informações sobre fatos criminosos. O que torna tal atitude completamente Ilegal e abusiva.
Já, em relação a manter alguém preso preventivamente, alegando que o suspeito solto poderá atrapalhar nas investigações, é um absurdo. Para se decretar uma prisão preventiva é imprescindível que antes dela já exista indícios suficientes de autoria e prova da existência do crime. Jamais esse “fumus comissi delict” deve ser buscado posteriormente a prisão. Por isso se torna inaceitável uma prisão preventiva infinita. O Estado-juiz jamais pode manter por longos e longos prazos alguém preso, imaginando ser criminoso, para só depois buscar provas. Ao agir desta maneira o Estado-juiz passa a desenvolver quadros mentais paranoicos (Síndrome de Dom Casmurro). Explico:
Em 1900, a literatura de Machado de Assis já nos contava um romance sobre Bentinho. Bentinho era uma criança fechada em si mesma, razão pela qual foi apelidado de Dom Casmurro. Bentinho conheceu Capitu e com ela se casou. Desse casamento nasceu Ezequiel. Ao lado de Bentinho estava Escobar – seu grande amigo. Um belo dia Escobar morre e no seu enterro, Bentinho passou a ter alguns sentimentos estranhos. A tristeza de Capitu lhe pareceu estranha, intensa demais.
O ciúme aumentou e com ele o quadro mental paranoico. Bentinho começou a imaginar seu filho parecido com Escobar. Essa ideia tomou parte de sua estrutura psicológica, a hipótese passou a ter primazia sobre os fatos.
Pois aí está: o adultério é o “crime” eleito como hipótese por Dom Casmurro. Talvez exista um lastro que dê alguma coerência a este pensamento ou não. Provas evidentes, não há, ainda. Mas há o desejo de descobrir este mistério. Aquele que deve se convencer é o mesmo que sai atrás deste convencimento. Não sabe que provas serão achadas, ou se achará mesmo alguma coisa. Sabe apenas que tem uma hipótese: a traição de Capitu. Um dos mais finos romances da literatura brasileira traduz o conto da busca pela prova que confirmasse a hipótese central. Mas, afinal, houve ou não traição?
“trata-se de uma terminologia criada para designar o juiz que, dotado de poderes investigatórios, primeiro decide e depois sai à procura de material probatório para alicerçar e justificar sua decisão. Ao proceder ao recolhimento da prova, o magistrado antecipa a formação do juízo quanto à solução do litígio, pois, assumindo a iniciativa probatória, saberá o que almeja encontrar, gerando uma tendência que o desproverá da indispensável imparcialidade para apreciar os elementos carreados aos autos, comprometendo a estrutura dialética do processo. Nesse contexto, o magistrado passa a desenvolver quadros mentais paranoicos, pois, primeiro, define-se a hipótese (decide) e, depois, procuram-se os fatos (provas) que legitimem a decisão já tomada”. (negrito nosso). (JOÃO BIFFE & JOAQUIM LEITÃO JUNIOR – Terminologias e teorias inusitadas – São Paulo, Forense – 2017).
Assim, tais atitudes (manter alguém preso para conseguir uma colaboração premiada ou para buscar provas) ferem por demais o Princípio da Presunção de Inocência, o Direito à Liberdade de Locomoção e o Direito ao Silêncio do acusado. Este acaba sentindo-se obrigado a confessar ou “dedurar” os seus comparsas com o fim de se obter uma liberdade – renunciando o seu direito constitucional ao silêncio.
O Poder Judiciário, caso realmente esteja agindo desta forma está abusando ou excedendo do seu poder. Devendo ser combatido por meio do remédio heroico chamado de “HABEAS CORPUS”. Pois está nítido a Ilegalidade e o Abuso de Poder.
Por fim, o Estado jamais pode utilizar da prisão preventiva como forma de camuflar a sua fraqueza em combater de maneira célere e razoável as práticas delitivas, justificando suas decisões de forma teratológicas e injustas.
Prisão preventiva é a “ultima ratio”.
Flávio Arruda é advogado criminalista, pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Escola Paulista de Direito de SP – EPD; pós-graduado em Direito Penal Econômico e Empresarial pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais de SP – IBCCRIM. Site: www.flavioarruda.adv.br