É difícil entender como um país de dimensões continentais como o nosso não prioriza os trilhos da ferrovia. Entra governo, sai governo, ficamos só na promessa. Falta visão e educação política para introduzir definitivamente esse transporte que é o mais barato, econômico, seguro e ecologicamente correto.
Ter educação política nos leva a compreender que a ferrovia faz parte da nossa história. É preciso valorizá-la. Afinal, ela teve um papel importantíssimo no período pós- independência do Brasil.
Essa história começa no tempo do Brasil Imperial com o Barão de Mauá, que construiu a primeira ferrovia do país, ligando a Baía da Guanabara a Petrópolis, no Rio de Janeiro. A linha de 14,5 km foi inaugurada em 30 de abril de 1854, por Dom Pedro II. Aliás, uma história fascinante. Foi nesse terreno montanhoso, desafiador, íngreme cercado de paisagens ímpares, povoado por animais e plantas de rara beleza que a primeira locomotiva a vapor no Brasil, a “Baroneza” circulou imponente, com seus cobres polidos, duas chaminés, um farol e dois estribos.
A paisagem estonteante e a locomotiva charmosa inspiraram o Imperador Dom Pedro II, no ato de inauguração, a batizar de “Baroneza” a locomotiva, em homenagem à esposa do Barão de Mauá. O passeio romântico foi tão emocionante que Dom Pedro II parou no alto da Serra sobre o viaduto de Três Arcos para lanchar com os comissários e apreciar a cidade maravilhosa.
Apesar de não existir uma política de concessão e um Plano Nacional Ferroviário – como existia na Europa e não existe até hoje – as ferrovias se expandiram com diferentes tipos de bitolas, dificultando a sua interligação. Entre elas, a Paranaguá-Morretes de 1883, que passa pela Serra do Mar e por Curitiba.
O passeio de trem ou de litorina entre Curitiba e Paranaguá hoje em dia é um dos eventos turísticos mais concorridos da região. Vale a pena descer a Serra do Mar e perceber a exuberância da vegetação, assim como a capacidade de engenharia dos que construíram aquela ferrovia.
A expansão da produção cafeeira do Vale do Paraíba (SP) puxou a construção de estradas de ferro na região. Mas tal política era decidida pelos Barões do Café, que privilegiavam as próprias fazendas. Aos trancos e barrancos, ferrovias foram sendo construídas sem qualquer projeto nacional. Algumas foram emblemáticas, como a Madeira-Mamoré, que o Brasil foi obrigado a construir como compensação à Bolívia, por ter anexado ao território brasileiro o Acre.
Assim como o foi também a Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande. A companhia Brazil Railway Company, que recebeu do governo 15 km de cada lado da ferrovia, iniciou a desapropriação de 6.696 quilômetros quadrados de terras (equivalentes a 276.694 alqueires) ocupadas já há muito tempo por posseiros que viviam na região entre o Paraná e Santa Catarina.
Esse foi o estopim de um dos maiores massacres de populações pobres no Brasil, a chamada Guerra do Contestado, que se estendeu de 1912 a 1916. A ideia do governo imperial e depois dos primeiros anos da República era integrar o Sudeste ao Sul do país, mas a cobiça conduziu os construtores a ter a ferrovia como meio para a exploração das florestas de araucária e de peroba.
Mato Grosso tem sua história no período após a Guerra do Paraguai, na parte sul do Estado, marcada pela Ferrovia Matte Laranjeira, construída para a exploração dos ervais, que dominavam extensa região. A cidade de Porto Murtinho, atualmente no Estado de Mato Grosso do Sul, nasceu por conta dessa ferrovia e do porto por ela construído no Rio Paraguai.
Cada ferrovia tem uma história diferente. Não fizeram nunca parte de um projeto nacional, quer seja no Império, quer em todo o período da República.
Em linhas gerais, a história ferroviária brasileira é a demonstração de genialidade da engenharia civil brasileira e também a demonstração da incapacidade governamental em planejar.
Vicente Vuolo é economista, cientista político e analista legislativo do Senado Federal.
E-MAIL: vicente.vuolo10@gmail.com