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O Rogério, um iPhone e o óbvio

Luciana de Souza, 35, é funcionária de uma empresa terceirizada que presta serviços à procuradoria da República em Mato Grosso, na Estevão de Mendonça, unidade do Ministério Público Federal em Cuiabá. Há cinco anos na função, recebe cerca de R$1.000,00 por mês — pouco mais do que um estagiário de Direito do órgão —, usados para sustento próprio e para o de sua filha Luanny Botelho, 16, estudante da rede pública e jovem aprendiz.

Seis meses atrás vendi um iPhone para Luciana. “Em quantas vezes, mesmo?”, ela pergunta, sem conter o riso, toda vez que retomo o episódio. “Era aniversário de Luanny. Você já viu: mãe sempre quer agradar, mesmo não podendo.” O frenesi da adolescente com a surpresa me levou de volta aos anos 2000-e-qualquer-coisa, quando ganhei o então descoladíssimo Nokia 2280, sonho de consumo de qualquer fedelho na época, e convulsionei de alegria.

No frigir dos ovos (ou das parcelas), Luanny perdeu o iPhone. Ficou arrasada. Impotente, fiz o que estava ao meu alcance: do meu computador, acessei o iCloud e configurei o aplicativo “Buscar meu iPhone”. Quem encontrasse o celular daria de cara com a mensagem “Este iPhone foi perdido. Ligue para mim”, seguida do meu número de telefone.

“Larga mão, Marcelo”, desabafavam mãe e filha, acabrunhadas. “Ninguém vai devolvê-lo.” Lembrei-me, então, de quando perdi, para sempre, meu badalado Nokia. Mesmo com identificação, nunca mais tive notícia dele. E, sucumbindo ao pessimismo, acabei chancelando a descrença de ambas.

Para nosso espanto, no dia seguinte à perda recebi ligação de Rogério Rodrigues, 23, que toca uma banca de assistência técnica para celulares no CPA II, na capital.

Ele revelou, intrigado, que deixaram em sua loja um iPhone para ser formatado — o iPhone de Luanny! Ao ligar o aparelho e notar o alerta de segurança, não titubeou, e telefonou de imediato para o número indicado no aviso. E abriu mão de recompensa.

Divulgada no Facebook, a história alcançou 3 mil curtidas, 100 compartilhamentos, e 200 comentários, números que impressionaram Rogério — sem o envaidecer.

“Fico agradecido, mas não entendo o motivo da repercussão. É nosso dever ser honesto, não é óbvio?”, asseverou, convicto, em entrevista por telefone.

Não, Rogério. Não é. E fico indignado comigo por não achar óbvio o dever de ser honesto. Fico indignado comigo por não achar óbvio o fato de alguém querer devolver algo que não é seu — o fato de alguém não se apoderar do que não lhe pertence. O óbvio estampado nos jornais é outro, Rogério. O óbvio que vejo na tevê é outro. E isso me acovarda, e me faz questionar. Penso, por outro lado, que não estou sozinho, e que é da indignação que nasce a capacidade de agir com empatia.

E que o óbvio precisa ser dito. Precisa ser noticiado, curtido, compartilhado, comentado. O óbvio — já escreveu Clarice Lispector em algum romance — é a verdade mais difícil de se enxergar.

E quem é Rogério Rodrigues, o homem que enxergou o óbvio? Natural de Rondonópolis, interior de Mato Grosso, Rogério cursou apenas o Ensino Fundamental. É casado com Luana Tursi, 22, com quem tem dois filhos pequenos, João Lucas e Letícia. Em Cuiabá há cerca de três anos, trabalha na J Cell, box 50 do Shopping CPA, na Rua Pernambuco, com conserto de aparelhos telefônicos.

Indagado a respeito da popularidade repentina, garantiu: “Não fiz mais do que minha obrigação” — o que para ele, e para ainda poucos de nós, é óbvio.

Marcelo Dantas Ribeiro é formado em Direito na UFMT.


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