O cidadão brasileiro paga hoje o imposto mais caro do mundo – cerca de 4 meses do total de um ano trabalhado são destinados para os tributos estatais. O Governo Federal, segundo o portal da transparência, tem uma receita prevista no orçamento para 2017 de R$ 1,316 trilhão. A União é uma máquina voraz e insaciável para recolher impostos, mas a pergunta que fica é o que aquele cidadão recebe em troca por esse sacrifício “apoteótico”?
A resposta todo mundo já sabe: uma educação pública sucateada, uma saúde desestruturada e, concomitantemente, a insegurança pública batendo na janela dele. Essa discrepância política está bem clarificada na falta da presença atuante do poder público em todas as cidades do Brasil, ou pela ineficiência de suas ações governamentais, bem como pela corrupção sistêmica que vem degradando e desmoralizando as instituições públicas deste país.
Tudo isso e outros motivos têm sobremaneira gerado um fosso assombroso entre as classes sociais. Para se ter uma ideia do tamanho desse distanciamento entre a classe mais abastada e a maioria em estado de vulnerabilidade social, hoje o Brasil tem, segundo dados do IBGE (2015), 17,3 milhões de crianças de 0 a 14 anos – o equivalente a 40% da população brasileira nessa faixa etária – vivendo na extrema pobreza.
No entanto, no topo da pirâmide, as grandes propriedades rurais dominam 28% do território nacional, isto é, 2,34 milhões de km². De acordo com o Atlas da Agropecuária Brasileira, a soma das áreas das propriedades médias e grandes alcança 4,53 milhões de quilômetros quadrados (km²), ou seja, corresponde a 53% do território Nacional.
Mas, por outro lado, a soma das áreas das propriedades pequenas somente alcança 13% do território. Já os assentamentos rurais 5 %, o que revela uma concentração injusta nas mãos de uma minoria que ainda por cima, através de influência política, deixa de pagar impostos sobre as grandes riquezas, bem como com relação aos seus intermináveis condados e feudos.
Uma organização social tipicamente calcada nos valores da aristocracia colonial. Para exemplificar isso, basta contar quantos latifundiários e mega-produtores da monocultura estão alojados no governo do presidente Michel Temer (PMDB).
Enquanto, os “nobres” entorno do rei, dono da coleira do leão, desfrutam das benesses do poder – tendo conforto, proteção jurídica e estabilidade para seus empreendimentos – 5,8 milhões de crianças entre 0 e 14 anos vivem na extrema pobreza, em famílias com renda per capita mensal inferior a um quarto de salário mínimo.
Mas, para trazer à tona o verdadeiro diagnostico da realidade brasileira é preciso revelar também que hoje existem 2,6 milhões de crianças e adolescentes (entre 5 e 17 anos) em situação de trabalho infantil conforme aponta o levantamento feito pela Fundação Abrinq.
Essa característica de país colonial fica mais nítida quando percebemos que em muitas daquelas propriedades citadas ainda se encontra seres humanos sendo forçados a desempenhar trabalhos em condições análogas às atividades da época da escravatura. Mas o pior de tudo isso, é ler uma notícia dizendo que “O Brasil foi denunciado na ONU nesta semana por conta da decisão do Tribunal Superior do Trabalho de vetar, a pedido do governo, a lista de empresas flagradas com mão de obra análoga à escravidão”. A iniciativa foi da Conectas, que levou o caso ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. “Uma vergonha Internacional” como diria o jornalista Boris Casoy.
Para continuar esclarecendo essa contradição horrenda da desigualdade social, esta semana também foi divulgado o Relatório das Nações Unidas – que analisou o comportamento de 188 nações e territórios. O relatório aponta que entre 2014 e 2015 a pobreza no Brasil aumentou, rompendo um ciclo de queda identificado desde a década anterior.
Ainda, segundo o Relatório das Nações Unidas, o Brasil ficou estagnado no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), alcançando o indicador 0,754 – o mesmo obtido no ano anterior -, em uma escala de 0 a 1. Com esse desempenho, o Brasil se mantém na 79.ª posição do ranking internacional – posição igual aos dos países mais pobres da África.
Porém, para terminar de pintar esse quadro da Guernica brasileira, enquanto o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o caixa do Tesouro Nacional despejavam bilhões nas obras inacabadas para realizar a Copa do Mundo de 2014 – que enriqueceram empreiteiros e politiqueiros – mais da metade da população brasileira sofria e ainda sofre com a falta de um sistema de saneamento básico, como tratamento de esgoto, acesso à água potável e coleta de lixo.
Diante de todos esses fatos, que revelam a face irônica da desigualdade social no país, somente um pensamento pode ressaltar tal indignação, materializado na pena do jurisconsulto e imortal Ruy Barbosa há mais de um século: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”.
Marcelo Ferraz é jornalista e escritor. Autor de obras à venda no site da Livraria Cultura e no site Amazon.com . O autor ganhou o Prêmio Mato Grosso de Literatura, e o Concurso Literário Prof. Sérgio Dalate, ofertado pela Universidade Federal de Mato Grosso(UFMT).