Victório Galli é uma figura anacrônica de um Congresso cada vez menos relevante e digno de crédito. Natural de São Paulo, mudou-se para Cuiabá nos anos 1980, projetando-se no cenário político mato-grossense duas décadas mais tarde, amparado pela Assembleia de Deus.
Filiado ao PSC (cujas contas foram reprovadas no ano passado), o deputado é coordenador da bancada do estado na Câmara Federal, e, apesar do razoável rendimento parlamentar, poucos de seus projetos recebem tanto destaque quanto sua fátua obsessão com a homoafetividade.
Inviabilizado de tomar para si o disputadíssimo cajado do agronegócio, Galli, que é pastor de igreja, reassumiu o manejo de seu rebanho — de onde apanhou os 65 mil votos que o elegeram —, e fez do coletivo LGBT seu bode expiatório. Com retórica vazia e infundada, matraqueia sobre engenharia social, liberdade de expressão, e relativismo religioso e moral — e imagina-se ave grande, com crista larga e penas coloridas. Mas de galo o Galli tem apenas o canto: alto e irritante. É infantil como um pinto. Aquele amarelinho, que bate as asas, faz piu piu, mas tem muito medo é do gavião.
Míope social, o deputado se autointitula “pessoa justa e honesta”, na cruzada contra a “inversão de valores”. “Representante dos heterossexuais”, o parlamentar afirmou, na semana passada, que “estudo profundo” constatou que o personagem Mickey Mouse é gay — e que a Walt Disney Company, “um zoológico de veados”, “faz apologia à homossexualidade” com o objetivo de “enganar e destruir famílias”. Rinha de pinto e rato.
Galli — o homem tão ameaçado com a sexualidade de um camundongo de desenho animado — vale-se de um discurso que não é meramente pessoal. Ele é porta-voz de um grave radicalismo religioso que, de forma alarmante, tem ganhado adesões em massa em Mato Grosso. Sua fala fraca, atrasada e preconceituosa abrange tramas místicas, mensagens subliminares, subversões religiosas e teorias conspiratórias, que convencem um público carente de espiritualidade, de lucidez, e de empatia.
O pastor-congressista apelida de “opinião” a feroz intolerância que doma as suas pregações. Atribui um valor político-social a declarações que atentam contra a liberdade sexual. As bicadas de Galli não foram direcionadas ao Mickey. Seu ataque foi contra a pluralidade, contra a própria democracia — e, em especial, contra o pensamento.
O confronto atual não é entre direita e esquerda, cristãos e ateus, héteros e homos, como propugna o deputado. O confronto atual, na melhor interpretação de Simone Beauvoir feita por Eliane Brum, é entre os que pensam e os que não pensam. E este é um tempo difícil para quem pensa. É um tempo ruim para corações libertários.
Causa-me indignação que um espaço conquistado pelo voto popular seja empregado para semear discriminação. Causa-me indignação observar que Galli celebra, com escárnio, as manchetes vexatórias obtidas por meio de suas convicções segregadoras. É além de vergonhoso. É imoral. Penso, em seguida, que a maldade (ou o diabo…) está nos olhos de quem vê.
Penso na quantidade de mortes, brutalidades e violências que permeiam a comunidade LGBT, e nos direitos a ela negados ou negligenciados. Penso, por fim, que “amai-vos uns aos outros” é um pilar não só da Assembleia de Deus, mas do cristianismo. E me ofendo. E me revolto com o coeficiente de involução ao qual o ser humano se arrisca. E me solidarizo.
Victório Galli, no entanto, merece compaixão, e não zombaria. É preciso oferecer a outra face. Merece ser ouvido, e então derrotado. A sugestão de terapia se mostra pertinente para quem parece precisar de ajuda — com uma remuneração de R$33 mil, auxílio-moradia de R$4 mil, cota de R$30 mil, e verba de gabinete de R$92 mil, o deputado consegue arcar com algumas sessões, e então pode até se ocupar de problemas reais de Mato Grosso.
Marcelo Dantas Ribeiro é bacharel em Direito pela UFMT.