A notícia da existência de um relatório não corroborado que sugere que o governo russo tem informações comprometedoras sobre o presidente eleito dos Estados Unidos criou uma tormenta política e de informação no país.
Donald Trump negou enfaticamente seu conteúdo e o atribuiu a uma “caça às bruxas política”.
A polêmica ajudou a desenterrar um velho termo da era soviética, mencionado por vários véiculos de imprensa americanos: a tática russa conhecida como kompromat.
Trata-se da prática de acumular informações sobre uma pessoa que podem ser utilizadas depois para fazer pressão e chantagem sobre ela ou, simplesmente, destruir sua reputação.
A tática é usada por serviços de inteligência de muitos países, mas, segundo especialistas, foi a União Soviética que a aperfeiçoou e a sistematizou.
Um ex-embaixador britânico, Tony Brenton, disse à rede americana CNN que a prática é tão comum que os diplomatas enviados para trabalhar na Rússia são alertados e instruídos sobre como lidar com ela.
“Faz parte de como a Rússia trabalha, que os serviços de inteligência coletam informações sobre indivíduos para usá-las quando puderem obter alguma vantagem”, disse ele à CNN.
O manual soviético
Com Josef Stalin no poder, principalmente a partir do final da 2ª Guerra Mundial, tornaram-se cada vez mais comuns na União Soviética a repressão política e a perseguição de adversários. A kompromat fazia parte do manual básico do serviço secreto russo da época, a KGB.
E ainda hoje é usada no país para se ter poder sobre uma pessoa, segundo o editor-chefe do jornal americano The Washington Post em Moscou, David Filipov.
“A informação pode ser usada para forçar uma pessoa a fazer o que se quer”, disse Filipov ao programa The World da ONG PRI e à BBC.
O jornalista garante que, hoje em dia, muitas agências de inteligência russas recorrem à kompromat como na era soviética.
Filipov compara a atividade a um aspirador. “Os serviços de segurança russos sugam tudo, porque pode ser útil algum dia. Os aliados de hoje podem virar inimigos depois.”
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Antes de presidir a Rússia, Putin trabalhou nos serviços de inteligência russos (Foto: Michael Klimentyev/Kremlin/Reuters)
Uma ‘forma de arte’
Filipov se recorda que, em uma varredura feita por uma empresa especializada no escritório do jornal americano The Boston Globe em Moscou poucos anos após o fim da União Soviérica, foram achadas nada menos do que 135 escutas. “Eram só cinco salas”, disse ele.
Segundo o repórter da BBC em Washington, Paul Wood, a sofisticação com que os russos realizam a kompromat é praticamente uma “forma de arte”.
Em 1999, uma gravação chegou aos meios de comunicação russos e chocou o país.
No vídeo, o procurador-geral russo dançava com duas mulheres. Todos estavam nus. Ele foi removido do cargo, e sua carreira acabou. Sempre alegou ter sido vítima da kompromat.
James Nixeu, diretor para Rússia e Eurásia do centro de estudos Chatham House em Londres, garante que informações financeiras ou de caráter sexual são usadas para “envergonhar ou expor uma pessoa ou mantê-la obediente”.
“Há um dossiê sobre toda pessoa com relevância comercial ou política que já tenha estado na Rússia”, explicou ele à rede CNN.
“Isso é feito em todo lugar, mas não é usado para fins políticos ou financeiros como na Rússia.”