O pensador alemão RüdigerSafranski, em obra sobre Heidegger, escreve que ’o conceito de lei tem sabidamente um duplo sentido: ele designa o que acontece regular e necessariamente assim como acontece; e designa um mecanismo de regras que quer prescrever determinado curso para o acontecer.
No primeiro caso são leis do ser, no segundo caso leis do dever-ser (Sollen); uma vez elas descrevem o que é, na outra vez prescrevem’.
No domínio próprio do ser, temos o achado na sua totalidade, essência do que é, e não os vários processos de sua afirmação enquanto existência. No do dever-ser, pensamento, existência e essência não se equivalem.
Alguém pode olhar-se no espelho e dizer: ’sou’. Mas o que pensa que é não será essência se depender da alteridade. Este é o campo do dever ser. O Direito é ciência construtiva; não um dado, um achado. É produto cultural, apesar dos naturalistas.
Portanto, se alguém disser ’sou’, tal repercutirá no outro que apenas contempla, pois, aquilo que ’sou’ será o refletido na consciência singular e, muito mais intensamente, na de seu observador.
Também significa que o ’sou’ não é essência, e, sim, um todo resultado das sucessivas etapas de seu desenvolvimento. Ao outro, que também ’é’, não interessa a essência, as etapas do todo, mas o resultado final, a personificação do sujeito (Gonçalo de Barros Neto, e outros, Constituição, Democracia e Desenvolvimento, com Direitos Humanos e Justiça, Juruá, 2009).
A lei constitucional entrelaça-se no viés político e no jurídico, sempre presente a premissa de que estes não se separam de forma estanque. A dinâmica de ambos exige-lhes entrelaçamento.
Nisto estamos em desacordo com Kelsen, quando o pensador da ’Teoria Pura’ considera conveniente, para a constituição de uma racionalidade jurídica específica, determinar uma severa distinção entre o saber jurídico e a política.
Max Weber, ao contrário, falava numa neutralidade política da Administração Pública, por limitar a dar concretização ao comando normativo do legislador, o que vem a propósito da aproximação do técnico, político e jurídico. O que há, verdadeiramente, é uma interdependência entre eles(Warat).
Enfim, quer tenhamos Constituição como programa político, Constituição dirigente, Constituição como norma ou mesmo Constituição liberal, o que mais se destaca como primordial é a consciência da cidadania conformando-a, aceitando-a racionalmente como consciência normativa pública, da própria comunidade (sociedade aberta dos intérpretes da Constituição – Peter Haberle).
GONÇALO ANTUNES DE BARROS é juiz de Direito em Cuiabá.
antunesdebarros@hotmail.com