Numa época em que a saudade era não apenas uma canção ou a dor da separação oceânica mas o movimento da alma que se dividia para sempre, portugueses e espanhóis perlustravam caminhos nunca antes navegados, descobriam novas terras e abriam as cortinas do mundo.
Tinham como instrumentos de navegação a ousada coragem e a sabedoria ancestral. E quando tudo parecia perdido diante das borrascas, um caminho para o qual não existia volta, no horizonte descortinava a esperança. Lá, ao longe, se divisava uma nesga de terra e o vigilante lançava o grito de “terra à vista”.
Mas antes disso, semanas talvez, alguns sinais começavam a surgir indicando que havia um porto próximo.
O sinal mais repetido em terras que seriam chamadas América era uma alga marinha que crescia grudada em rochas à beira-mar e que se espalhavam boiando pelas águas mornas do Atlântico. Era o sargaço. Tufos começavam a aparecer e isto era a indicação de que havia terra firme próxima. Na Era dos Descobrimentos foram inúmeros os relatos sobre os sargaços.
Nem sempre o aparecimento deles era, porém benéfico. Apesar de apontar a existência de terras, eles atrapalhavam o livre curso das naus.
Olho o futuro pós-impeachment e vejo aparecerem sargaços nada favoráveis à navegação. Enquanto os mais céticos se ensimesmam, ainda assim existem os crédulos que mantém expectativas de que pode ser formado um governo constituído por técnicos apartidários, competentes, comprometidos com o país.
Que assumam a administração publica federal um grupo dirigente livre dos vícios da era petista, formando um governo racional e patriota. Um governo, provisório ou não, que mesmo que tenha Temer como presidente não seja um governo de hegemonia peemedebista. Será isso possível? Foi isso o que pareceu logo no inicio.
O vice-presidente anunciou o projeto de uma nova economia, na qual se situa necessariamente a redução drástica dos gastos públicos e do tamanho do Estado, além do controle da inflação e projetos coerentes para o soerguimento da indústria.
Por outro lado, demonstração explicita e inequívoca de liberdade e pleno reforço dos organismos envolvidos naquela que esta entre uma das mais vigorosas ações republicanas que este país já viveu, a denominada “Operação Lava Jato”. Estes pontos são elementos que se colocam não como um mero programa de governo, como se se pudesse escolher entre isso ou aquilo outro. Não.
Trata-se de uma exigência da sociedade cansada de tantos desmandos e escândalos. O futuro governo Temer não poderia fugir jamais a essa exigência cívica. A questão não é, nem pode ser, simplesmente a de retirar o lulopetismo do poder. A nação está econômica, política e eticamente exaurida. Portanto, exige que seus futuros dirigentes tenham a dimensão do enorme desafio que se apresenta.
No entanto, vejo sargaços, as terríveis algas que tanto assustaram os navegadores do século XVI, aparecerem a cada dia em que se aproxima a queda da atual presidente. No mínimo é preciso olhar com prudência os fatos e personagens que se postam no procenio.
Foi abortado o convite ao advogado Antonio Mariz para ser Ministro da Justiça, mas deve ir para outro cargo influente. Em seguidas entrevistas, e como signatário de um manifesto de advogados, ele se manifestara contra o juiz Sergio Moro e a Operação Lava Jato.
Sendo assim, sequer deveria ter sido sondado para o cargo. Com isso Temer deu um tiro no pé. Péssima, portanto, indicação do pensamento do futuro presidente a respeito. E como não deixar de considerar igualmente péssimo sinal a quase certeza de que figuras notórias como a desse senador Romero Jucá, para só dar um exemplo, estão na mira da Lava Jato e que brevemente poderão ser ministros? Teremos então que governo?
O PMDB é um partido curioso: ainda ontem saiu pela janela do governo Dilma para daqui a pouco voltar ao Planalto pela porta da frente. Será que teremos o mais do mesmo? O anunciado corte de ministérios foi esquecido. Os jornais já noticiaram que o vice que prometia reduzir os absurdos 32 para 20 já voltou atrás para dizer que será 26 o numero. Até este momento em que escrevo.
Quem duvida que possa aumentar e até mesmo permanecer no atual numero? A voracidade dos partidos que apoiam o impeachment vão querer o seu butim. Mas não só estes. Apenas um exemplo: Kassab, que ainda é ministro, já negocia a sua passagem para o novo barco. Por sua vez, a bancada evangélica, praticamente em peso contra Dilma, já apresenta a sua fatura. Na semana passada, Temer recebeu e orou com o ultraconservador pastor Silas Malafaia.
Então o que nos aguarda além do emaranhado dos sargaços que começam a boiar ao derredor das justas e acalentadas expectativas da sociedade brasileira? De uma coisa tenho certeza, a não ser que haja uma brusca mudança de rota desse lamentável e triste barco assistiremos o lulopetismo voltar a ganhar força. Afinal, vejam o precedente do Mensalão.
Diziam, o PSDB à frente, que com a condenação dos seus hierarcas, o PT estava acabado. E o resultado foi o que estamos vendo. Essa turma do Temer parece que não está querendo outra coisa. Era de esperar-se que o vice-presidente compreendesse a gravidade do momento que estamos vivendo.
Exige-se que ele tenha a dimensão da importância histórica que pode ganhar formando um governo de alto nível, acima dos interesses partidários, ou então entrará para a história como mera nota de rodapé. Mas se essa substituição de governante já é traumática e está deixando o país em suspense, no ultimo caso, um governo tíbio, comprometido e tecnicamente incompetente certamente redundará em frustração que pode comprometer a paz social e se tornará insuportável para o futuro da nação.
Olhando esse quadro não posso deixar de, uma vez mais, lembrar Fernando Pessoa: “Um mar onde boiam lentos /Fragmentos de um mar de além… / Vontades ou pensamentos? / Não o sei e sei-o bem”.
Sebastião Carlos Gomes de Carvalho é advogado e historiador