"> Inquérito civil e Projeto de Lei 233 – CanalMT

Inquérito civil e Projeto de Lei 233

Definido na doutrina e jurisprudência  como  procedimento investigatório, inquisitorial,  para colheita de informações preparatórias visando formar a convicção  e documentar a  atuação do Ministério Público na defesa dos interesses difusos e coletivos.

O  inquérito civil  tem sua previsão original  na Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85),  posteriormente elevado à disposição constitucional,  CF/1988:  Art. 129.

São funções institucionais do Ministério Público:  III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

É, pois, o inquérito civil procedimento administrativo de natureza inquisitiva tendente a recolher elementos de prova que ensejem o ajuizamento da ação civil pública.

Trata-se de instrumento de investigação exclusivo do Ministério Público (artigo 8º, § 1º, da Lei nº 7.347/85), não obstante a legitimidade concorrente e disjuntiva para ajuizamento da ação civil pública (artigo 5º da Lei nº 7.347/85).

Com efeito, assegura o § 1º do artigo 8º da Lei 7.347/85 que o Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias.

Porém, o inquérito civil não se destina apenas a colher elementos de convicção para o ajuizamento da ação civil pública ou outra medida judicial; tem ele, também, como importante objetivo, a obtenção de ajustamento de conduta do investigado às disposições legais, além da possibilidade da expedição de notificações recomendatórias, tudo de forma rápida, informal,  barata  e efetiva para  todos os envolvidos.

O  inquérito civil, ao longo de toda sua existência, vem se mostrando como um instrumento eficaz na apuração e também na composição de lesões potenciais ou efetivas aos interesses difusos e coletivos.

Ocorre que esse importante e fundamental instrumento utilizado pelo Ministério Público na defesa ambiental,  na defesa do consumidor e também nas áreas de saúde e educação, bem como no combate à corrupção e defesa da probidade administrativa, está em risco, com fundada possibilidade de vir a ser descaracterizado, burocratizado em sua essência, e, ao fim, tornar-se imprestável ou ter em muito reduzida a sua eficácia para a defesa dos interesses coletivos acima elencados.

É que  Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado acaba de aprovar, na última quarta-feira (30/3), o Projeto de Lei do Senado (PLS) 233/2015- Complementar, de autoria do senador Blairo Maggi, que, a pretexto de regulamentar,  introduz modificações que acabam por desvirtuar e burocratizar o inquérito civil,  além de reduzir sensivelmente a serventia desse instrumento, o PLS 233 coloca em risco a  utilidade e a eficiência do inquérito civil.

Dentre as inovações  até então aprovadas estão:

  1. a) a responsabilização pessoal do membro do Ministério Público nas hipóteses de instauração de inquérito civil em decorrência de representação anônima — artigo 4º, parágrafo 5º;
  1. b) arquivamento tácito — artigo 5º, parágrafo 1º;
  1. c) a determinação ao membro do Ministério Público que, ao instaurar o inquérito civil, notifique o investigado para que apresente esclarecimentos, por escrito, no prazo de dez dias — artigo 14;
  1. d) a obrigatoriedade de se intimar o investigado da prova e diligência ordenada, com antecedência mínima de três dias úteis — artigo 16, parágrafo 12;
  1. e) a necessidade de intimação da parte investigada para acompanhar as declarações e depoimentos — artigo 16, parágrafo 15;
  1. f) a previsão de que o membro do Ministério Público seja civil e criminalmente responsável pelo uso indevido de informações e documentos que requisitar, sendo que, no caso de ação penal, ela poderá ser proposta subsidiariamente também pelo ofendido — artigo 16, parágrafo 18;
  1. g) a vedação à prestação de informações sobre o inquérito civil — artigo 23;
  1. h) a conclusão em 12 meses, prorrogável uma única vez pelo mesmo prazo, mediante autorização judicial — artigo 34;
  1. i) o prazo preclusivo de 12 meses para o seu desarquivamento em face de novas provas — artigo 37.

Da análise das alterações propostas vê se claramente que o objetivo é limitar  o tempo de tramitação e a publicidade, bem como  dar aos investigados a oportunidade do contraditório amplo ainda na fase do inquérito civil.

Tais propósitos se mostram claramente contrários ao bom desempenho das funções do Ministério Público e contrariam também o interesse público, bem como as disposições legais acerca do assunto.

É que, como já afirmado acima, o inquérito civil não é processo judicial e sim procedimento inquisitivo, não sendo cabível   o contraditório nesta fase de investigação e colheita de subsídios para o exercício do direito de ação, esse entendimento é unânime na legislação, na doutrina e na jurisprudência, inclusive do STF  que  posiciona-se de maneira tranquila quanto à não incidência do contraditório no inquérito civil:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA NO INQUÉRITO CIVIL DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO.

(…) A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório não são aplicáveis na fase do inquérito civil, pois este tem natureza administrativa, de caráter pré-processual, que se destina à colheita de informações para propositura da ação civil pública, não havendo, portanto, que se falar em réu ou acusado, nessa fase investigativa. (…)

RExt 981.455/PR

Os investigados terão garantidos o direito ao contraditório e a ampla defesa na fase judicial, como alias é garantia  constitucional  de toda pessoa pessoa  submetida à processo administrativo ou judicial.

O processo judicial no Brasil, como é do conhecimento de todos, é extremamente moroso e fértil em recursos e possibilidades de defesa.

Se o contraditório for oferecido por duas vezes, uma na fase do inquérito e outra na fase judicial,  os conflitos  que hoje demoram anos, passaram a demorar décadas sem a devida e efetiva solução.

Obviamente essa medida – fixação do contraditório no inquérito civil –  trará sérios prejuízos à efetividade das  investigações  que   sofrerão  sensível redução em franco e direto prejuízo dos interesses sociais e direitos indisponíveis tutelados pela atuação do Ministério Público.

Da mesma forma são altamente prejudiciais ao interesse público as  alterações que visam impor prazos restritivos para a conclusão do inquérito civil, prazos esses menores que os prazos prescricionais já previstos em lei para os casos de improbidade administrativa, por exemplo.

Vale lembrar  que  atualmente, a par dos regulamentos estabelecidos no âmbito de cada Ministério Público, o inquérito civil já se encontra disciplinado pela Resolução 23 do CNMP, de 17 de setembro de 2007.

Nela constam os requisitos para sua instauração, as hipóteses de indeferimento, disciplinando também as regras  para a sua instrução e  o seu arquivamento,  além da fixação dos critérios e requisitos para o  Compromisso de Ajustamento de Conduta e das Recomendações.

Portanto, qualquer tentativa  republicana de regulamentação do inquérito civil deveria levar estas disposições já efetivadas e testadas em consideração.

A tal regulamentação conforme aprovada na CCJ do Senado,  incluí inovações desnecessárias e altamente prejudiciais  que  corrompem inteiramente o instituto  e a finalidade do inquérito civil e com isso  a defesa dos interesses difusos e coletivos sofrerá evidente prejuízo, cabendo, pois  ao Ministério Público alertar a toda sociedade deste risco iminente,  buscando o apoio para uma mobilização no sentido de se defender o inquérito civil como instrumento do exercício da  cidadania e defesa de importantes direitos coletivos.

ROBERTO APARECIDO TURIN é promotor do Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPE-MT).


O que achou desta matéria? Dê sua nota!:

0 votes, 0 avg. rating

Compartilhar:

Deixe uma resposta